Análise Pós-eleições na Europa
Vitória de Hollande abre novo capítulo na crise
O novo presidente francês trouxe ao debate uma política alternativa; resta saber se traduzirá isso em mudanças
GIORGIO ROMANO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A vitória de François Hollande abre um novo capítulo na crise europeia. Desde o final de 2010, predominava na Europa uma ideologia política voltada à austeridade, focada em cortar os direitos dos trabalhadores, culpar o bem-estar social pela crise e poupar o setor financeiro.
Na eleição francesa, pela primeira vez desde o início da crise econômica, entrou em debate uma política alternativa, voltada ao crescimento e à justiça social.
Até 2008, todos os países da União Europeia, com a clara exceção da Grécia, tinham deficit públicos dentro do limite acordado no Acordo de Maastricht, de 3% do PIB.
A Grécia já estava com um deficit de 6,4% quando entrou no euro. A institucionalidade da União Europeia era ainda demasiadamente fraca para reagir à crise com a mesma firmeza do Fed, nos EUA, ou do governo brasileiro.
O resgate do setor financeiro e a proteção da economia real elevaram os deficit públicos em relação ao PIB a patamares insustentáveis, sobretudo para as economias mais frágeis.
Ficou evidente o desequilíbrio interno no bloco, com a maior economia, a alemã, reprimindo, na última década, os níveis salariais e usando o aumento da produtividade para crescer com base na exportação, o que gerou superavit em relação aos demais países.
Para alterar esse quadro, Hollande enfrenta, de imediato, três desafios. Primeiro, a eleição para a Assembleia Nacional, em junho, que deve lhe garantir o apoio às mudanças anunciadas na legislação, como taxação do setor financeiro, reforma bancária, ajuste à reforma da aposentadoria de Sarkozy e contratação de professores.
Em segundo lugar, construir um acordo com a Alemanha. França e Alemanha representam, juntas, quase a metade do PIB da zona do euro e é justamente a Alemanha que tem as melhores condições para ampliar a demanda efetiva e, com isso, gerar um mercado de exportação para os demais países da União Europeia.
É impossível para a França, sozinha, implantar uma agenda de crescimento se a Europa continuar dominada pela lógica da austeridade.
Sem falar das propostas de introdução de eurobônus e de que o Banco Central Europeu assuma um papel mais direto na rolagem das dívidas soberanas que passam necessariamente por uma negociação com a Alemanha.
O terceiro ponto é como lidar com a Grécia, caso absolutamente peculiar.
Mesmo com o recente perdão de mais de ¬ 100 bilhões de sua dívida e a aprovação do segundo pacote de resgate de outros ¬ 130 bilhões, está diante de exigências de cortes fiscais impraticáveis.
Sua permanência na zona do euro torna-se cada vez mais insustentável e injustificável, ainda mais diante do resultado das eleições. De outro lado, sua saída pode aprofundar a instabilidade e as incertezas.
Resta saber se Hollande terá a capacidade de estadista europeu para garantir que a virada de página de fato se traduza em mudanças.
GIORGIO ROMANO SCHUTTE é coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade
Federal do ABC
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