O LHC: A Máquina de Descobertas
Professor Eduardo Gregores explica a colisão dos feixes de prótons do Large Hadron Collider (LHC) realizada em 30 de março.
O maior instrumento de investigação já construído consumiu 10 bilhões de dólares em quase 20 anos de trabalho, segundo Gregores. A expectativa é que o experimento traga respostas a antigos questionamentos da ciência.
No último dia 30 de março foi realizada pela primeira vez a colisão dos feixes de prótons do Large Hadron Collider (LHC) do CERN à energia de 7 TeV ou 7 trilhões de elétron-volts. Durante os próximos 18 meses, ele irá colidir frontalmente prótons que circularão em direções opostas em um túnel de 27 km de comprimento, a 100 metros de profundidade na fronteira entre a Suíça e a França. Após estes meses iniciais, ele irá ser aprimorado para passar a operar pelos anos seguintes à energia de 14 TeV.
O LHC é o maior instrumento de investigação científica já construído. Colocar esse complexo em operação requereu o esforço de quase 20 anos de trabalho de milhares de cientistas e custou aproximadamente 10 bilhões de dólares. A análise dos resultados dessas colisões irá representar uma nova fronteira para a busca da resposta à questão que a humanidade desde a antiguidade se pergunta: "Do que é feito o mundo?"
Dizemos hoje em dia que tudo o que sabemos que existe no universo é composto de apenas dois tipos de matéria, quarks e léptons, os quais têm seu comportamento ditado por apenas quatro interações fundamentais: a gravitacional, a eletromagnética, a forte, e a fraca. Podemos dizer isto porque há cerca de 40 anos, na década de 60, conseguimos construir um modelo capaz de descrever não somente o que era então observado, como também capaz de prever com assombrosa exatidão tudo o que foi descoberto e observado, em todos os experimentos, até hoje. Este modelo, que devido ao seu enorme sucesso foi nomeado "Modelo Padrão" das interações fundamentais, é baseado na Teoria dos Campos Quânticos, a qual possui uma peculiaridade: ela só é matematicamente consistente se todas as partículas (quanta dos campos) tiverem massa nula, isto é, não tiverem massa alguma. No entanto, sabemos que muitas das partículas, como os elétrons por exemplo, têm massa e algumas vezes bastante grande, como o quark top. Além disso, partículas sem massa podem estar se movendo apenas com a velocidade da luz, não podendo nunca estar em repouso ou se movendo a qualquer outra velocidade que não seja a da luz. Esse foi o conflito solucionado por Peter Higgs: aparentar ter massa, mas não ter massa.
Para isso Peter Higgs postulou a existência de certo campo, o Campo de Higgs, cujo quantum é o Bóson de Higgs. Esse campo foi postulado com propriedades tais que as partículas que interagissem com ele se comportariam como se fossem massivas, ao passo que as partículas que não interagissem com ele permaneceriam como são, sem massa. Desde que Peter Higgs postulou a existência deste campo, todas as conseqüências advindas desse postulado foram confirmadas com exatidão e todas as partículas novas previstas a partir desta suposição foram descobertas tais como previstas. Todas menos a pedra angular do Modelo Padrão que deu origem a todas essas previsões, o próprio Bóson de Higgs. Além disso, a formulação desse mecanismo de geração de massa traz em si o fato de que nem sempre as partículas aparentariam ser massivas, de que no início do universo a simetria original ainda se encontrava manifesta e não escondida pela interação dos campos fundamentais com o campo de Higgs. De acordo com o Modelo Padrão, este fenômeno de os campos elementares passarem a interagir com o campo de Higgs teria ocorrido no primeiro décimo de bilionésimo de segundo após o Big Bang, a grande explosão do surgimento do universo.
Reproduzir as condições extremas existentes nesses primeiros instantes do início do universo é o objetivo principal do LHC; reproduzi-las a cerca de 10 milhões de vezes por segundo, colidindo prótons contra prótons à energia comparável com a existente no universo no instante em que a simetria original foi encoberta pela interação do campo de Higgs com os demais campos fundamentais.
Descobrir o Bóson de Higgs é o principal objetivo do projeto do LHC, mas não o único. Encontrar essa partícula já seria por si só um feito notável: a compreensão de fenômenos na escala subatômica com um modelo coerente, completo e que funciona em uma grande escala de energia. No entanto, apesar de extremamente bem sucedido, o Modelo Padrão não fornece resposta a muitas questões fundamentais sobre porque o mundo é da maneira como o vemos.
Porque a força gravitacional é tão mais fraca (10 seguido de 50 zeros mais fraca) que as demais interações? Porque o universo é composto de matéria apenas, se matéria e anti-matéria foram criadas em quantidades iguais no Big-Bang? O que é a Matéria Escura? O movimento das galáxias só pode ser explicado se supusermos que elas possuam muito mais matéria do que observamos. Essa matéria não observada é denominada Matéria Escura e sua natureza é ainda completamente desconhecida. O que é a Energia Escura? A expansão observada do Universo só pode ser explicada se existir uma forma de interação repulsiva, presente em todo o universo, não predita pelo Modelo Padrão. De fato, observações cosmológicas e astrofísicas indicam que apenas 4% do Universo seriam compostos por matéria conhecida, descrita pelo Modelo Padrão, que 23% seriam formados por Matéria Escura e 73% por Energia Escura. Apesar de todos os avanços adquiridos no conhecimento da estrutura íntima da matéria e das interações fundamentais, desconhecemos a natureza de 96% de tudo o que existe no Universo.
Todas estas questões suscitam as mais variadas formulações, a serem exploradas no LHC. Entre as alternativas para a resposta a essas questões destacam-se aquelas que introduzem novas simetrias da natureza e conseqüentes leis de conservação, como a supersimetria, bem como teorias com dimensões espaciais adicionais, além das três conhecidas. Além disso, ao recriar esses instantes iniciais do universo, novas e inesperadas partículas e interações podem também vir a aparecer.
Procurando a resposta a essas perguntas a comunidade científica do mundo inteiro se uniu em torno de quatro grandes colaborações internacionais para construir detectores e preparar a infra-estrutura necessária para observação desses eventos. A comunidade científica brasileira vem participando dos quatro experimentos do LHC.Da colaboração ALICE participam pesquisadores da USP e Unicamp, da colaboração ATLAS participam pesquisadores da UFRJ, da colaboração CMS participam pesquisadores da UERJ, UFRJ, CBPF, UNESP, USP e UFABC, e da colaboração LHCb participam pesquisadores da UFRJ e do CBPF.
A ciência é internacional e o programa do LHC a sua mais clara expressão. A complexidade para a busca das respostas a estes questionamentos é tal que nenhum país do mundo possui capital humano, financeiro e tecnológico para resolvê-las sozinho. É talvez a primeira vez na história da humanidade em que todas as nações do mundo assim capacitadas se unem para a busca de um objetivo comum, compartilhando com todos o conhecimento desenvolvido por cada um, oferecendo o que possuem e desenvolvendo em forma colaborativa as tecnologias necessárias para responder a esta pergunta milenar: afinal, do que é feito o mundo?
Alienar-se deste processo de compartilhamento de informações é negar-se a oportunidade de dominar as novas tecnologias decorrentes deste processo. Participar deste empreendimento é caminhar lado a lado como as demais nações, doando o que se possui, e recebendo o muito disponibilizado por todos.
Anos excitantes estão por vir e deles não seremos apenas expectadores privilegiados, mas sim atores participantes desta fantástica empreitada.
Eduardo Gregores
Eduardo Gregores
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