Trajetória de concluintes cotistas na graduação mostra panorama do modelo de reserva de vagas
Fotos: (1) José Luiz de Godoy (2) e (3) Arquivo pessoal |
1- Para a pró-reitora Cláudia Vieira, a condição étnico-social impõe impactos no tempo de formação acadêmica. 2- Marcelo percebeu o sentido de reparação histórica das cotas após o ingresso na UFABC. 3- Paula e o medo do ritmo de uma universidade pública. |
Em 2006 – seis anos antes da sanção da Lei de Cotas –, a UFABC lançava seu primeiro edital de ingresso na graduação, com metade das vagas reservadas para alunos egressos de escolas públicas, incluindo um número específico para pretos, pardos e indígenas. Ainda no modelo vestibular, esse processo seletivo inaugural abria um total de 1500 vagas, com a entrada dos alunos distribuída em três quadrimestres. Até 2021 – 15 anos depois –, o total de títulos de graduação concedidos a estudantes que ingressaram na Universidade pelo sistema de cotas chegou a 6197, dos quais 3340 do Bacharelado em Ciência e Tecnologia, 714 do Bacharelado em Ciências e Humanidades e 2143 de cursos específicos.
A Pró-Reitora de Assuntos Comunitários e Políticas Afirmativas (ProAP), professora Cláudia Regina Vieira, avalia que esses egressos saem da UFABC com a possibilidade de seguir um caminho e realizar o sonho de desenvolver uma trajetória profissional como qualquer outro formando. Segundo ela, o rótulo de ex-cotista começa a dar espaço à consciência de que a cor da pele não implica uma barreira à sua capacidade técnica. “Acredito que a grande maioria desses concluintes tem noção de que integraram uma política de reparação histórica, que permite à pessoa preta ou parda se reconhecer e se colocar no mundo e no espaço, diante dos próprios pensamentos, perspectivas e possibilidades pessoais”.
O consultor de expansão Marcelo Menezes dos Santos, da Fundação Raízen, que concluiu os bacharelados em Ciências e Humanidades e em Políticas Públicas em 2016 e 2017, respectivamente, conta que quando ingressou na UFABC, pelo modelo de cotas, não pensava sobre o conceito de reparação histórica. “Esse tipo de discussão não era presente em meu cotidiano. Somente após a entrada na vida acadêmica e conversas com professores percebi a natureza e a importância dessa questão” – explica o ex-aluno.
Paula Santos Garcia formou-se no Bacharelado em Ciências e Humanidades em 2017, e atua como microempreendedora na gestão de projetos culturais. Para ela, o sistema de cotas é uma iniciativa fundamental de inclusão social no ensino superior, mas que não tem conexão com o mundo externo. “Enquanto estive na UFABC, fui acolhida e me sentia preparada, mas quando fui para o mercado de trabalho percebi que, mesmo com meu histórico acadêmico, só ocuparia um bom cargo corporativo se eu fosse uma pessoa branca” – constata.
Dentre as lembranças de Paula na UFABC estão as conversas com colegas negras de mestrado e doutorado, que relatavam as dificuldades de colocação no mercado de trabalho nas mesmas condições e ritmo dos alunos brancos. “Por mais que na Universidade eu me sentisse em um lugar que buscava promover oportunidades iguais entre os estudantes, quando saímos desse ambiente para o mundo externo é completamente diferente.”
Impacto no tempo
A pró-reitora Cláudia explica que um dos principais desafios para as políticas de cotas é enfrentar o racismo estrutural, especialmente pela admissão de que vivemos em um país racista, em que há privilégios para pessoas brancas em detrimento das pretas. Ela cita um exemplo próprio, lembrando que sua formação no ensino superior sofreu atrasos, pois sempre precisou priorizar o trabalho e outras responsabilidades antes de cuidar da organização dos estudos para concluir a graduação e a pós-graduação. “O racismo estrutural sempre vai se impor de diversas formas; mesmo que as cotas sejam uma resposta, o ensino superior continua como um espaço hostil para pretos e pardos”.
Marcelo Menezes lembra que ficou muito inseguro quando começou suas aulas na UFABC: “no primeiro ano, não percebia outras pessoas pretas nos cursos”. Além disso, ele conta que boa parte dos colegas havia passado por escolas técnicas ou colégios particulares, e mostravam maior facilidade com as matérias iniciais.
Paula conta que ficou com medo do ritmo de uma universidade pública, pois não se sentia com capacidade de estudar o suficiente para acompanhar o conteúdo ministrado. Ela descreve seu período de estudante na UFABC como de muito sacrifício: “Eu morava em Taboão da Serra, precisava pegar dois ônibus para chegar às 2 horas da manhã em casa”.
CONCESSÃO DE TÍTULOS DE GRADUAÇÃO/UFABC 2010-2021
Com distinção por modalidade de concorrência no ingresso
A primeira colação de grau na UFABC ocorreu em 2010, incluindo 16 alunos que ingressaram por cotas, dos quais quatro pela modalidade pretos, pardos e indígenas.
Permanência
Cláudia revela que a ProAP tem planos para conhecer melhor os alunos da UFABC que ingressam pelo sistema de cotas, além daqueles que teriam essa possibilidade e optaram pela ampla concorrência. O objetivo é detectar a necessidade de ajustes nas ações internas, seja no conjunto normativo, na política de auxílios ou no trabalho da pró-reitoria. “Pretendemos conhecer o que esses estudantes estão fazendo, se a experiência universitária é aquilo que imaginavam, o que pensam da vida acadêmica, como encaram as dificuldades, dentre outras informações.”
Para Marcelo, propiciar mais condições de permanência é, sem dúvida, algo a ser pensado e priorizado, especialmente as que permitem acesso à alimentação, deslocamento e moradia. “Eu trabalhava em período integral, e a oportunidade de contar com auxílios socioeconômicos viabilizou minha convivência com a Universidade e ampliou minha visão sobre a ocupação do espaço acadêmico” – revela.
Ao deixar o trabalho para seguir na UFABC, Paula explica que os recursos oferecidos por meio dos auxílios representaram a ajuda suficiente para conseguir “respirar”. “De uma família sem grandes recursos e sem o emprego, fiquei sem dinheiro e seria impossível arcar com os custos para estudar. Espero que as bolsas socioeconômicas continuem mantidas, porque salvam vidas.”
TÍTULOS DE GRADUAÇÃO-UFABC (2010-2021)/ INGRESSANTES POR COTAS
Distribuição por área de formação
Infográficos: arte de José Luiz de Godoy, com dados apurados com a Pró-Reitoria de Graduação em outubro e novembro de 2022.
Os dois gráficos desta matéria foram produzidos com propósito meramente ilustrativo. Não integram estudo ou trabalho sujeito às normas acadêmicas. Uma versão do gráfico acima, incluindo a categoria de ingressantes em ampla concorrência, está disponível neste arquivo PDF.
Esta matéria é parte da Edição número 01, da Revista Comunicare UFABC.
Assessoria de Comunicação e Imprensa - ACI UFABC
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