IoT integra pesquisa para irrigação inteligente com análise de raios cósmicos
A aplicação de Internet das Coisas (IoT) na agricultura ganhou espaço em mais um projeto para controle de irrigação, agora associado a conhecimentos da Física de Altas Energias. Com locações de pesquisa em três estados brasileiros, o projeto COSMIC-SWAMP tem participação da UFABC, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), da Universidade de São Paulo (USP) e das universidades de Durham e de Bristol no Reino Unido e de Heidelberg na Alemanha. Até o início de 2024, a expectativa é comparar medições de umidade aferidas em sensores de solo com as de sensores que analisam nêutrons de raios cósmicos.
Segundo o coordenador do COSMIC-SWAMP na UFABC, o professor Carlos Kamienski, a aplicação da IoT na pesquisa ocorre nas tecnologias de comunicação e na plataforma que viabiliza a comunicação, armazenamento e processamento dos dados registrados pelos sensores. O sistema de controle coleta as informações e as transporta até o local de análise (por exemplo, um datacenter de nuvem). Os modelos programados de respostas determinam aos dispositivos de irrigação quando, quanto e onde irrigar.
Kamienski acrescenta que a metodologia também pode empregar alguma técnica da chamada Inteligência Artificial (IA).Segundo ele, sempre que há muitas informações envolvidas, como no caso de IoT, é possível utilizar alguma técnica de aprendizado de máquina. “A irrigação inteligente precisa realizar a estimação da necessidade de água por meio de uma classificação de dados típica de IA” – conta. Entretanto, Kamienski lembra que nem sempre o uso de inteligência artificial gera resultados melhores, pois “vários fatores influenciam os resultados, como a quantidade e a qualidade dos dados disponíveis”.
Quique de partículas
Validar o uso de partículas fundamentais em sistemas de irrigação inteligente abre nova frente à possibilidade de produtores rurais usarem recursos hídricos de forma mais precisa e sustentável. De acordo com Organização das Nações Unidas (ONU), atividades agrícolas utilizam cerca de 70% da água consumida no mundo e a Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA) estima que uma irrigação mais eficiente poderia reduzir esse volume em 50%. Também segundo a IAEA — que em conjunto com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) promove o uso seguro de tecnologias nucleares na produção de alimentos e na agricultura —, mais de uma dezena de projetos ao redor do mundo desenvolvem pesquisas sobre detecção de umidade em solos pelo estudo de raios cósmicos.
O método funciona com base no efeito de reflexão dos nêutrons em solos úmidos. Segundo o físico John Patrick Stowell, da Universidade de Sheffield — docente em Durham no início do projeto —, esse fenômeno ocorre em razão da forte interação dessas partículas com o hidrogênio, provocando a produção de nêutrons secundários. “Portanto, quanto mais H2O no terreno, maior a probabilidade de absorção de nêutrons antes deles deixarem o solo e serem detectados” — explica o pesquisador que constrói e instala modelos de sensores de raios cósmicos usados na pesquisa.
Sensor de nêutrons de raios cósmicos (cilindro azul) em lavoura em Luís Eduardo Magalhães (BA). Um painel fotovoltaico gera a energia para o conjunto de dispositivos. |
O professor da UFABC explica que os sensores enviam as informações sobre os nêutrons ao servidor para o processamento algorítmico que gera o percentual de umidade da área. Essa conversão depende de vários fatores como o local do planeta em que ocorre a medição, da própria umidade e de vários outros parâmetros climatológicos. “Trata-se de calibração que envolve um processo complexo e a elaboração de um algoritmo sofisticado, tarefas a cargo do aluno de doutorado Daniel Power em Bristol” — conta Kamienski.
Os experimentos ocorrem com sensores de raios cósmicos fabricados pelas equipes de Durham e de Heidelberg. Eles operam no Laboratório Nacional de Agricultura de Precisão (Lanapre) da Embrapa em São Carlos (SP), na Embrapa Arroz e Feijão em Goiânia e em uma fazenda em Luís Eduardo Magalhães (BA). A pesquisa é resultado de uma colaboração entre a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e a UK Research and Innovation com prazo inicial de dois anos e suporte em torno de R$ 200 mil no Brasil e cerca de 80 mil libras no Reino Unido.
Experiência no ramo
A UFABC integrou outra colaboração com a Embrapa e instituições europeias para pesquisa sobre irrigação inteligente entre 2017 e 2021. Também sob coordenação do professor Kamienski, o projeto SWAMP (Smart Water Management Platform) permitiu o avanço em diversas frentes em experimentos com sensores de solo, mesmo enfrentando as restrições do período mais agudo da pandemia de Covid-19.
Os trabalhos permitiram o desenvolvimento de diversos artefatos e recursos como: plataforma para comunicação, armazenamento e processamento de dados com base em IoT e IA; modelo de estimação de necessidade de água para diferentes zonas de manejo; simulador de uma propriedade rural para experimentos do sistema de irrigação; aplicativo para interação do produtor com a plataforma; sistema de gerenciamento operacional de IoT; além do sensor de solo desenvolvido pela Embrapa, sob responsabilidade do pesquisador André Torre Neto.
Kamienski afirma que a pesquisa concluída há dois anos serviu para o desenvolvimento científico de alunos de doutorado, mestrado, graduação e de mais dois professores, além dele próprio: João Henrique Kleinschmidt e Ronaldo Prati, que também integram o projeto atual. “Os estudos também geraram dezenas de artigos científicos, dentre os quais o de produção de um detector de compatibilidade de aspersão de água do então aluno de graduação Caio Albuquerque, que foi premiado em congresso internacional sobre metrologia na agricultura” – acrescenta o docente.
A diferença estrutural entre os dois projetos é que a versão Cosmic utiliza sensores de superfície em suportes semelhantes a postes metálicos, enquanto os de solo ficam sob a plantação. Kamienski destaca que os dispositivos enterrados provocam diversas dificuldades de manejo e imprevistos que dificultam a manutenção do sistema. Ele cita o exemplo de uma ocorrência no projeto SWAMP, quando o milharal cresceu muito mais do que o esperado e alguns sensores foram simplesmente perdidos. “Mesmo as bandeiras de localização afixadas nos pontos de aterro desapareceram e sensores foram destruídos pelo trator da lavoura” — recorda.
Assessoria de Comunicação e Imprensa - Universidade Federal do ABC (ACI UFABC)
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