Sustentabilidade de cidades permanece como incerteza em meio à mudança climática
Há oito anos, chefes de Estado e de Governo e altos representantes, reunidos na sede das Nações Unidas em Nova York, firmaram o documento Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Em linhas gerais, significou o compromisso de se alcançar até o referido ano metas universais nas dimensões econômica, social e ambiental. O foco principal envolve a erradicação da pobreza por meio de estratégias que englobam necessidades sociais e o combate às alterações climáticas e a proteção ambiental.
As diretrizes estabelecidas foram divididas em 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) dentre os quais, dois conjuntos específicos que tratam de Cidades e Comunidades Sustentáveis e de Parcerias e Meios de Implementação. Eles apresentam como meta tornar as áreas urbanas e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis, além de revitalizar parcerias para o desenvolvimento global.
A meio caminho do prazo estabelecido, o professor de Políticas Públicas da UFABC Klaus Frey não tem certeza quanto à existência de um consenso majoritário sobre a gravidade e a urgência da questão climática e sua real importância nas discussões sobre o planejamento e as políticas públicas urbanas no Brasil. Para ele, que ao lado de outros autores, organizou o livro “Objetivos do Desenvolvimento Sustentável: Desafios para o planejamento e a governança ambiental na Macrometrópole Paulista” (Editora UFABC), medidas promovidas por municípios, por organizações sociais e algumas empresas ainda não alcançaram massa crítica necessária para impulsionar ações efetivas. “As resistências às mudanças são enormes, pois predomina a ideia de que iniciativas transformadoras implicam perda e renúncia, sem se enxergar os ganhos e vantagens que uma vida sustentável proporciona.”
Segundo o pesquisador, a mitigação de efeitos e adaptações às mudanças climáticas e a reestruturação do nosso sistema econômico como disposto na Agenda 2030, dependem da convergência de um conjunto de fatores. Frey começa ressaltando que o espectro político deve aceitar que a sustentabilidade exige a redução das desigualdades e a taxação das riquezas. Além disso, que haja aumento das pressões a favor das mudanças, de investimentos em ciência e pesquisa e que se formem personagens capazes de falar a verdade ao poder — ele faz menção ao cientista político Aaron Wildavsky: “speaking truth to power”.
Frey também cita a necessidade de se contar com lideranças políticas fortes, que ele explica como atores influentes, sem medo do risco de perder eleições, capazes de mobilização social e de construir alianças de transformação nos níveis global, nacional e local. “Sem esses agentes, dificilmente as estratégias de transformação têm chances de prosperar e se consolidar a longo prazo” – avalia o docente.
Território local
Logo no Preâmbulo, a Agenda 2030 ressalta que o alcance dos objetivos nela descritos deve ocorrer “por meio de uma parceria global para o desenvolvimento sustentável revitalizada, com base num espírito de solidariedade global reforçada, concentrada em especial nas necessidades dos mais pobres e mais vulneráveis e com a participação de todos os países, todas as partes interessadas e todas as pessoas”. Para Frey, a tradução desses princípios para os níveis nacional, regional e local tornou-se um grande desafio, pois não existem padrões gerais predeterminados a serem adotados.
Ele considera que os objetivos e metas do compromisso, deveriam fazer parte das agendas dos fóruns políticos e de governança, tais como os conselhos de políticas públicas, audiências públicas, orçamento participativo, comitês de bacias hidrográficas, além de nortear políticas nas câmaras municipais, processos de planejamento, leis, programas e ações. “Também é fundamental que cheguem às empresas e à população. Colaborações desses grupos serão fundamentais para a consolidação dos ODS como instrumento de sustentabilidade” – afirma. Vale lembrar que a Agenda 2030 fez parte do rol de documentos de referência para construção do novo PDI da UFABC.
Quanto ao cenário que envolve o conglomerado urbano que cerca a UFABC, Frey considera haver esforços setoriais como os comitês de bacias hidrográficas ou territoriais, os consórcios intermunicipais, citando o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, que desenvolve projetos e programas com ênfase na sustentabilidade territorial. “Entretanto, na Macrometrópole Paulista (MMP) não temos sinais de um planejamento integrado. Encontramos no máximo algumas iniciativas isoladas de planejamento” — ressalva o pesquisador.
Para Frey, consenso sobre encarar a gravidade e a urgência daPara Frey, consenso sobre encarar a gravidade e a urgência daquestão climática nas discussões sobre planejamento urbanopermanece como incerteza |
Ampla participação
Um grande problema para o professor é que não existe hoje uma consciência da importância da questão regional para o desenvolvimento sustentável de grandes metrópoles. Ele aponta como origem disso a omissão da Constituição quanto a questões relacionadas com o desenvolvimento metropolitano, o que deixou a regulação do tema nas mãos dos governadores. “Mas nem esses dirigentes e os prefeitos reconhecem as possibilidades da ação integrada influenciar a transformação do espaço regional” – afirma Frey. Para ele, a maior preocupação dos mandatários encontra-se na perda de poder político que esse modelo de gestão potencialmente provocaria.
O pesquisador destaca outras dificuldades na busca de políticas públicas sustentáveis: a carência de organizações regionais da sociedade civil atuantes, ausência de uma mídia capaz de inserir preocupações regionais ao debate público e a falta de identificação dos cidadãos com a região em que vivem. “Somente com lideranças governamentais e sociais que de fato assumam o desafio da construção de um modelo de gestão regional participativa, podemos esperar avanços na direção de uma governança integrada” – avalia Frey.
De acordo com o docente, os desafios impostos decorrem de um modelo de democracia liberal que estabelece mecanismos de controle dos processos decisórios por uma elite econômica. “São condições notadas já na Constituição Americana de 1778, com seus arranjos institucionais frequentemente citados como pesos e contrapesos (checks and balances). Se de um lado isso favorece processos deliberativos, por outro, pela apropriação do sistema pelas elites, funciona como filtros da vontade popular” – afirma.
No caso do Brasil, Frey lembra que somam-se a essa característica as práticas tradicionais patrimonialistas, clientelistas e fisiológicas como mecanismos compensatórios para a exclusão da massa populacional dos processos decisórios. Ele diz que houve algum avanço nas últimas décadas com a introdução de arranjos mais abertos de discussão em esferas municipais, o que ampliou as possibilidades participativas em colegiados públicos, “porém limitadas no seu alcance a questões que não conseguem afetar os interesses das elites locais”.
Para Frey, há necessidade de se reinventar as práticas participativas e de governança democrática, fortalecendo as vozes da ciência e dos demais saberes e conhecimentos, inclusive populares, em processos de tomada de decisões. “Essas são condições para que se consiga avançar com a Agenda 2030 e com a transformação para cidades mais justas, resilientes e capazes de enfrentar as crescentes incertezas relacionadas com a crise ambiental e climática” — conclui o pesquisador.
Assessoria de Comunicação e Imprensa - Universidade Federal do ABC (ACI UFABC)
Redes Sociais