Uso de Vidros Bioativos Incorporados com Nanotubos Peptídicos para Regeneração de Tecido Ósseo
A Revista Eletrônica PesquisABC possui o seguinte registro ISSN: 2675-1461
Luccas Correa Teruel de Jesus a*, Roger Borges b, Juliana Marchi c
* Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. ORCID: 0000-0003-3838-5543
a Aluno de Graduação do Bacharelado em Química da UFABC
b Professor Assistente da Escola de Engenharia Biomédica/ Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein (FICSAE)
c Professora Adjunta do Centro de Ciências Naturais e Humanas/UFABC
Resumo: Os vidros bioativos são materiais que se integram aos ossos, promovendo sua regeneração. Esses materiais liberam íons provenientes de sua composição, como cálcio, fósforo e silício, que estimulam a atividade das células ósseas. A adição de nanotubos peptídicos à matriz vítrea pode ajudar ainda mais a regeneração óssea por induzir um direcionamento do crescimento do osso através de um estímulo elétrico, além de conferir uma zona antibacteriana à região do implante. Diferentes metodologias de incorporação de nanotubos aos vidros bioativos influenciam quais estímulos ao tecido os implantes podem apresentar, afetando diretamente a liberação de íons e a resposta celular. Resultados recentes do grupo de pesquisa apontam para o potencial dos biomateriais formados a partir dos vidros bioativos de revolucionar o tratamento de lesões ósseas, oferecendo uma alternativa segura e eficaz para que o processo de regeneração do tecido ocorra de maneira adequada.
Palavras-chave: vidros bioativos; nanotubos peptídicos; regeneração tecidual óssea.
Abstract: Bioactive glasses are materials that integrate with bones, promoting their regeneration. These materials release ions from their composition, such as calcium, phosphorus, and silicon, which stimulate bone cell activity. The addition of peptidic nanotubes to the glass matrix can further aid bone regeneration by inducing directional bone growth through electrical stimulation, as well as providing an antibacterial zone to the implant region. Different methodologies for incorporating nanotubes into bioactive glasses influence the tissue stimuli the implants may present, directly affecting ion release and cellular response. Recent research group findings point to the potential of biomaterials formed from bioactive glasses to revolutionize the treatment of bone injuries, offering a safe and effective alternative for tissue regeneration to occur appropriately.
Keywords: bioactive glasses; peptidic nanotubes; bone tissue regeneration.
O que são vidros bioativos?
Os ossos são estruturas de extrema importância, visto que promovem a sustentação do corpo humano, além de desempenharem um papel crucial na proteção dos órgãos vitais e na realização das atividades diárias. Entretanto, em casos de lesões, fraturas ou doenças ósseas, é necessário um estímulo adicional para promover a regeneração adequada1,2. Nesse contexto, os vidros bioativos, uma classe especial de biomateriais, surgem como revolucionários na forma como tratamos e curamos o tecido ósseo2,3.
Os vidros bioativos são materiais desenvolvidos com uma composição química específica que possibilita uma interação favorável com o tecido ósseo humano. Diferentemente de outros materiais, como metais ou polímeros, os vidros bioativos possuem a notável capacidade de se ligar diretamente aos ossos, promovendo a regeneração e a integração tecidual. Ao serem implantados na região óssea danificada, inicia-se um processo complexo, porém altamente coordenado, de interação bioquímica3,4. A superfície do vidro começa a liberar íons de cálcio, fósforo e silício, elementos encontrados nos ossos, os quais desencadeiam uma série de respostas celulares, atraindo as células ósseas especializadas para o local da lesão4. Essas células são responsáveis pela formação e remodelação óssea, sendo sua atividade fundamental para a regeneração bem-sucedida do osso danificado2.
Outro benefício da utilização dos vidros bioativos como implantes ósseos é a sua capacidade de estimular a formação de uma camada mineral semelhante à do osso na superfície de sua matriz. Essa camada, chamada de hidroxiapatita, não só facilita que o vidro se ligue ao osso adjacente, como também oferece um ambiente propício para que as células se proliferem e depositem mais tecido ósseo4.
Qual a vantagem de combinar outros materiais com esses vidros?
Embora os vidros bioativos sejam altamente eficazes na promoção da regeneração óssea, a adição de outros materiais à matriz vítrea pode proporcionar benefícios adicionais3. Neste estudo em específico, os resultados da pesquisa desenvolvida apontam que a incorporação de nanotubos peptídicos nos vidros bioativos direcionam o crescimento o osso regenerado, ao conseguirem manter cargas elétricas em sua estrutura. Além disso, esses materiais podem conferir propriedades antibacterianas ao implante, reduzindo o risco de infecções e melhorando a cicatrização da ferida5,6. Na Figura 1 é possível observar o processo simplificado de absorção e liberação de íons de cargas positivas (+) e negativas (-) que explica: (a) como os vidros interagem quimicamente com o osso através da formação da camada de hidroxiapatita, e (b) como a incorporação dos nanotubos peptídicos na matriz vítrea seguida da separação de carga do implante pode influenciar no direcionamento do crescimento dessa camada.
Figura 1. Processo simplificado de vidros bioativos formando a camada de hidroxiapatita.
Uma das principais questões relacionadas à utilização de vidros bioativos é a maneira pela qual materiais adicionais são incorporados à estrutura vítrea. Existem diversas maneiras de adicionar esses nanotubos na estrutura dos vidros, cada uma com suas próprias vantagens e limitações, sendo necessário escolher a técnica mais apropriada, já que o modo que os materiais incorporados estarão distribuídos na estrutura vítrea impactará significativamente como a regeneração óssea poderá acontecer3,6. Neste contexto, este estudo experimental propôs entender como a maneira de incorporar os nanotubos peptídicos irá influenciar nos efeitos regenerativos do implante produzido.
Os peptídeos utilizados na formação dos nanotubos foram escolhidos por sua notável capacidade de auto-organização, resultando em estruturas altamente ordenadas. Essa seleção foi fundamentada em estudos que demonstraram sua biocompatibilidade e propriedades elétricas, elementos essenciais para direcionar a regeneração óssea e minimizar o risco de respostas imunológicas adversas. Além disso, os nanotubos peptídicos empregados neste estudo possuem uma sequência de aminoácidos projetada para mimetizar proteínas estruturais do tecido ósseo, como o colágeno. Essa característica não apenas promove uma interação química eficiente entre o biomaterial e as células ósseas, mas também adiciona rigidez mecânica ao compósito. Estudos reforçam que essas propriedades estruturais são fundamentais para garantir resistência à compressão e ao desgaste, atributos indispensáveis para implantes utilizados em regiões sujeitas a alto estresse mecânico, como a área femoral.
Como os materiais foram produzidos?
A partir da análise de cada etapa de produção do vidro bioativo e dos nanotubos peptídicos, foram propostas duas maneiras de combinar esses materiais em diferentes proporções: 1) através da mistura mecânica dos dois materiais produzidos separadamente, e 2) através do crescimento dos nanotubos na superfície dos vidros bioativos. A Figura 2 apresenta o esquema simplificado da produção dos implantes produzidos (a) através da mistura mecânica dos dois materiais produzidos separadamente, e (b) através do crescimento dos nanotubos na superfície dos vidros bioativos.
Foram realizados testes preliminares para garantir que os peptídeos selecionados mantivessem sua estabilidade estrutural durante o processo de incorporação ao vidro bioativo. Esses testes confirmaram que as interações intermoleculares entre os peptídeos e os componentes da matriz vítrea são suficientemente fortes para evitar a degradação prematura da estrutura peptídica, assegurando a integridade do material produzido e permitindo sua maior eficiência.
Figura 2. Processo simplificado de produção do implante de duas maneiras diferentes.
Como foram analisadas as propriedades desses materiais?
Para avaliar os materiais desenvolvidos, foram utilizados métodos e equipamentos presentes nos laboratórios da UFABC que permitem obter informações sobre a estrutura e as interações químicas que constituem cada material precursor, o tamanho, o formato e a distribuição desses precursores no implante, e a propriedade elétrica que cada uma das combinações apresenta, tendo como base os materiais precursores produzidos separadamente.
Uma análise adicional focada na morfologia dos materiais revelou que as diferentes metodologias de incorporação dos nanotubos peptídicos resultaram em variações estruturais que podem impactar significativamente as propriedades mecânicas e elétricas dos implantes. Nanotubos de maior comprimento tendem a apresentar maior estabilidade térmica e uma melhor adesão das células ósseas, enquanto que nanotubos bem distribuídos que revestem a matriz vítrea tendem a favorecerem uma liberação mais controlada de íons devido à diminuição da área superficial da matriz, otimizando a regeneração tecidual. Essa análise destaca a importância de controlar a morfologia dos compósitos para maximizar a eficiência dos biomateriais desenvolvidos.
Além disso, análises de difração de raios X (DRX) foram realizadas para identificar as fases cristalinas presentes nos materiais e avaliar possíveis alterações estruturais causadas pelo método de incorporação dos nanotubos peptídicos. Os resultados revelaram diferenças na cristalinidade das amostras, o que pode vir a impactar diretamente a liberação controlada de íons e a formação da camada de hidroxiapatita. Essas variações destacam a relevância de se estudar o polimorfismo para assegurar o desempenho dos implantes.
O que as respostas provenientes dessas análises indicam?
A Figura 3 apresenta uma representação simplificada da imagem microscópica dos implantes produzidos (a) através da mistura mecânica dos dois materiais produzidos separadamente, e (b) através do crescimento dos nanotubos na superfície dos vidros bioativos. É possível observar como o processo de produção do implante afeta o tamanho e a distribuição dos nanotubos em relação aos aglomerados de vidro, sendo que o material produzido através mistura mecânica dos materiais precursores apresenta nanotubos com comprimentos maiores, porém com distribuição heterogênea no implante, enquanto que o material produzido através do crescimento direto dos nanotubos na superfície dos aglomerados de vidro apresentam tamanho significativamente reduzido, porém com uma distribuição homogênea no implante.
Figura 3. Representação simplificada da imagem microscópica dos implantes produzidos (a) através da mistura mecânica dos dois materiais produzidos separadamente, e (b) através do crescimento dos nanotubos na superfície dos vidros bioativos.
As técnicas de caracterização que avaliaram a estrutura e as interações químicas das combinações indicam que, em ambos os casos, a incorporação dos nanotubos mantiveram as interações químicas que o vidro bioativo sozinho apresenta em sua estrutura, indicando que esses materiais adicionais não interferem no processo de interação química com o osso através da formação da camada de hidroxiapatita.
Já os ensaios elétricos realizados indicam ambos os materiais produzidos como possíveis potencializadores do processo de regeneração óssea, cada uma das combinações com uma maneira diferente de transportar e de manter a carga elétrica na estrutura do material, porém ambas com respostas igualmente satisfatórias.
A avaliação da morfologia das amostras também indicou que o crescimento dos nanotubos diretamente na superfície do vidro bioativo favorece a formação de fases cristalinas homogêneas, enquanto a mistura mecânica resulta em uma maior heterogeneidade. Essa diferença estrutural pode influenciar a maneira como o material interage com o ambiente biológico, impactando a adesão celular e a estabilidade mecânica do implante ao longo do tempo.
Como esta pesquisa contribuirá positivamente para a sociedade?
A pesquisa envolvendo o desenvolvimento de biomateriais tem um grande potencial de gerar um impacto transformador na sociedade. A abordagem interdisciplinar que este trabalho apresenta oferece soluções para uma ampla gama de desafios de saúde, promovendo avanços significativos no tratamento de lesões e defeitos ósseos. Além disso, biomateriais como os propostos aceleram a reparação tecidual óssea e direcionam o crescimento do osso novo formado. Estes resultados melhoram significativamente a qualidade de vida dos pacientes, visto que proporcionam tratamentos mais seguros, eficazes e personalizados. Com pesquisas contínuas e investimentos em inovação, biomateriais promissores como os apresentados têm o potencial de transformar a medicina e oferecer benefícios para a sociedade como um todo.
Conclusões e próximos passos
Os resultados obtidos quanto ao entendimento da estrutura e interação química, de tamanho, forma e distribuição, e os ensaios elétricos realizados indicam que ambos os materiais desenvolvidos são promissores, mesmo que cada um deles apresente diferentes maneiras de transportar e armazenar carga elétrica. As próximas etapas do projeto têm por objetivo visualizar microscopicamente a superfície dos materiais produzidos, verificar a velocidade e as características da camada de hidroxiapatita formada no processo regenerativo simulado em laboratório, e verificar como as células ósseas irão aderir à superfície dos implantes, além de medir de maneira precisa a intensidade das propriedades elétricas apresentadas pelos materiais desenvolvidos. Espera-se que os materiais propostos tenham as características adequadas para uma regeneração óssea mais promissora, sendo opções alternativas interessantes aos materiais comercialmente disponíveis atualmente. Além disso, foi identificada a influência do polimorfismo na formação da camada de hidroxiapatita, a qual afeta diretamente a adesão celular, a durabilidade do implante e sua interação com o organismo. Assim, estudos futuros, conduzidos tanto in vitro quanto in vivo, buscarão avaliar como diferentes morfologias estruturais impactam essas propriedades, com o objetivo de definir as condições de produção mais adequadas. Técnicas avançadas de análise estrutural também serão utilizadas para aprofundar a compreensão da relação entre as características cristalinas dos materiais e seu desempenho biológico.
Agradecimentos
Os autores agradecem à Central Experimental Multiusuário (CEM/UFABC) e à UFABC pela infraestrutura fornecida, e o suporte financeiro do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (do CNPq 132080/2022-2), da FAPESP (regular, 2020/00329-6) e da CAPES (código 001).
Referências bibliográficas
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