Compreendendo como a professora e alunos surdos interagem na sala
UFABCiência - Qual o tema da sua pesquisa?
Compreender como a professora e alunos surdos interagem na sala de aula para que, juntos, construam os conhecimentos relacionados à ciência numa escola bilíngue de surdos.
UFABCiência - Por que escolheu estudar este tema?
A minha primeira aproximação com o ensino de surdos ocorreu no desenvolvimento do TCC. Minha preocupação se centrava na tradução dos termos específicos da ciência (como por exemplo: densidade, solução, átomo, etc...) para a LIBRAS (Língua de Sinais Brasileira). Como possível solução deste problema, pensamos na criação de sinais e a exploração da experimentação, vista que esta seria um fenômeno visual que contribuiria para explorar o campo visual dos alunos surdos. Um outro momento que aumentou ainda mais meu interesse pelo tema foi ao presenciar, enquanto eu era professora da mesma escola em que desenvolvi o TCC anteriormente, situações em que sentia os alunos surdos distantes das interações entre alunos e professora ouvintes que não dominavam a LIBRAS. Essa situação era limitada tanto pela intermediação de intérpretes/tradutores das línguas envolvidas (LIBRAS-Português), quanto pela dificuldade da professora em lidar com as duas culturas distintas presentes na sala de aula: a cultura surda e a cultura ouvinte (pessoas que que se comunicam pelo canal auditivo. Foi aí então, que procurei o mestrado para estudar essas preocupações e aprofundar as questões na área de surdos. Nesta ocasião, procurei a professora de LIBRAS da UFABC, Maria Izabel Garcia, para que pudéssemos estabelecer uma parceria no trabalho, uma vez que ela poderia me direcionar melhor às questões relacionadas aos surdos. Após alguns encontros e muito debate, convergimos o tema do trabalho para compreender como ocorrem as interações entre os alunos surdos e professora numa escola bilíngue de surdos.
UFABCiência - Como realizou?
Por aproximadamente três meses, me aproximei dos alunos surdos acompanhando as aulas de química de uma turma da escola bilíngue de surdos e participando das atividades e eventos culturais ocorridos nesta escola, por meio de observação e anotação em diário de campo. Após esta etapa, filmei algumas aulas de química da turma que observava anteriormente, para analisá-las de acordo com a minha questão de pesquisa: como professora e alunos surdos interagem na sala de aula para que, juntos, construam os conhecimentos relacionados à ciência numa escola bilíngue de surdos. Vale acrescentar que a pesquisa seguiu uma abordagem metodológica qualitativa e a interpretação das relações filmadas e observadas, contou com um apoio de um profissional da área (Tradutor-Intérprete de LIBRAS/ Português), já que eu não domino essa língua.
UFABCiência - Quais foram os resultados alcançados?
Destacamos a importância da interação entre os alunos surdos à medida que, ao compartilhar uma língua (LIBRAS) e uma cultura de surdos entre seus pares, possam trocar ideias e então construir o conhecimento, coletivamente. Tal interação é possibilitada em um ambiente que permite dar voz aos surdos, para que possam expressar livremente e, através de sua primeira língua (LIBRAS), criar relações possíveis na escola (com outros colegas de turma, com a professora, com a coordenação, com a secretaria, com todas as pessoas que exercem alguma função na escola). A escola bilíngue, além de valorizar a LIBRAS e a cultura surda, também possibilita o reconhecimento de referenciais culturais, já que há surdos ocupando os cargos da escola, principalmente, o cargo de professor.
Um outro aspecto interessante foi a importância do papel da professora em estimular a participação, a interação, o posicionamento questionador dos alunos surdos, bem como a oportunidade destes alunos protagonizarem o processo de ensino-aprendizagem. Nessa direção, evidenciamos que a condição necessária para que os mesmos tenham acesso à educação ou então, para que se promova, efetivamente, a inclusão dos surdos em todas as esferas sociais, está intrinsicamente relacionada à concessão e a garantia do direito de voz desses sujeitos-cidadãos brasileiros.
UFABCiência - Quais as dificuldades encontradas?
Foram inúmeras. Todo caminho que se deseja trilhar, apresenta diversos obstáculos. E com a pesquisa, não foi diferente. Realizar uma pesquisa envolve muitas idas e vindas. E foi durante todo esse percurso, que houve muitas aprendizagens, sendo possível extrair uma parte para o texto escrito da dissertação. Para relatar algumas das dificuldades relacionadas ao tema da pesquisa, destaco o desafio de me aventurar em um contexto antes nunca imaginável (as comunidades de surdos; as escolas bilíngues de surdos; os eventos e palestras protagonizadas por surdos) e me deparar com o desconhecido, um mundo visual, do qual eu não faço parte. Além da grande responsabilidade em dissertar sobre uma questão que não vivencio, e que me levou a rever, constantemente, os posicionamentos tomados. Outra dificuldade que também se relaciona com a anterior se deve ao fato de estar imersa em uma cultura ouvinte e não dominar a LIBRAS, o que dificultou realizar as traduções das aulas em LIBRAS para o texto escrito, em Português.
UFABCiência - Deixe uma frase que sintetize a importância da contribuição da sua dissertação para o universo científico e o cotidiano das pessoas.
Respeitar e valorizar as diversidades linguísticas, culturais e sociais existentes no Brasil são condições necessárias para que se promova, efetivamente, a inclusão em todas as esferas sociais de diferentes grupos sociais.
Perfil
Mikaella de Sousa
Licenciada em Química (UFTM); Mestra em Ensino de Ciências (UFABC); Professora de Química da rede pública de Minas Gerais Orientadoras: Maria Candida Varone de Morais Capecchi; Maria Izabel dos Santos Garcia.
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