Pesquisa desmistifica a "iconografia canônica da evolução"
UFABCiência - Qual o tema da sua pesquisa?
Tenho estudado a teoria da evolução e sua relação com uma imagem, considerada por Stephen Jay Gould (1990) como a “iconografia canônica da evolução”. Nela está representada a marcha dos hominídeos, iniciada por um chimpanzé (ou, em alguns casos, por um Australopithecus) e direcionada até o aparecimento da nossa espécie, o Homo sapiens. Uma imagem cientificamente bastante equivocada, mas muito difundida. Neste trabalho, procuro identificar os motivos que levam a essa propagação e a interferência que esta iconografia pode causar na interpretação dos professores de ensino fundamental com relação à teoria da evolução e em sua visão de mundo.
UFABCiência - Por que escolheu estudar este tema?
Enquanto estudante de graduação, as aulas que eu mais gostei foram sobre a temática da evolução. Esse gosto me acompanhou nas leituras depois de formada e na escolha do mestrado. Contudo, foi em uma aula como aluna especial do prof. Charles Morphy (da UFABC) que eu refleti sobre o quanto esta imagem, tema do meu trabalho, poderia interferir na interpretação de professores no ensino da teoria da evolução. Sendo uma iconografia que coloca o homem na condição de ser superior, e por isso tão equivocada, uma vez que não há superioridade entre as espécies, este ícone pode, no mínimo, reforçar a existência de uma sociedade exploratória de recursos humanos e ambientais.
UFABCiência - Como realizou?
A metodologia consistiu em pesquisa bibliográfica, análise documental e pesquisa quantitativa (exploratória) e qualitativa. Na pesquisa quantitativa exploratória foi utilizada uma enquete, disponibilizada online, com nove questões para as quais a resposta era binária. Participaram professores de qualquer área e nível de ensino e estudantes do ensino superior. Posteriormente - e mediante o resultado da pesquisa exploratória -, realizamos uma pesquisa qualitativa com a participação de docentes da rede municipal de ensino e de escolas da zona leste da capital, com docência no ensino fundamental regular e EJA. Paralelamente, foi realizada pesquisa bibliográfica e análise documental, buscando identificar a reprodução desta imagem e suas interpretações em diversos meios.
UFABCiência - Quais foram os resultados alcançados?
A pesquisa exploratória teve participação de 125 voluntários, distribuídos geograficamente na Grande São Paulo. Destes, 81,5% são estudantes. Aproximadamente 80% dos voluntários parecem compreender a teoria da evolução, a despeito de alguma confusão sobre a interpretação da evolução humana e a importância dada à “marcha dos hominídeos” como forma de divulgação científica da teoria. Contudo, uma parcela significativa dos professores apresentou interpretação bastante equivocada quanto à teoria da evolução, o que nos fez direcionar a pesquisa final somente para educadores do ensino fundamental. A pesquisa qualitativa (final) contou com a participação de dezoito docentes, sendo seis da área de ciências naturais e doze de áreas diversas, todos da rede municipal de ensino e de escolas da zona leste da capital, com docência no ensino fundamental regular e EJA. Num quadro geral, nota-se que a compreensão acerca da teoria da evolução é bastante superficial e que a iconografia canônica da evolução parece de fato ajudar na perpetuação da ideia de superioridade entre as espécies, tendo o homem como o cume da evolução. Analisando os dois grupos de docentes que responderam à pesquisa, podemos constatar que a interdisciplinaridade não se faz presente (ou é muito tênue), faltando aos docentes de ciências a compreensão mais ampla do contexto histórico no qual as teorias se inserem e, aos demais docentes, faltam noções científicas menos calcadas no senso comum. A pesquisa bibliográfica resultou num interessante acervo de referências históricas de pensadores e cientistas que abordaram a teoria da evolução desde a Grécia Antiga, bem como algumas imagens que eram utilizadas para indicar os estudos de evolução. A partir desse conteúdo, podemos inferir que esta questão esteve sempre presente nas discussões humanas, causando impactos relevantes no desenvolvimento de teorias que afirmam ser o homem o ápice da evolução. Quanto à marcha dos hominídeos, em um levantamento histórico, percebe-se que o criador da imagem se apropria desta percepção de superioridade que sobrevive há séculos. A análise documental demonstrou a força que esse ícone tem, uma vez que é visto pela sociedade leiga como científico e mantém a ideia do homem como um ser especial, o que antes era garantido pela religião.
UFABCiência - Quais as dificuldades encontradas?
O mais difícil foi o levantamentho dos dados primários, pois isso exigia contar com a participação
dos docentes durante as entrevistas, e muitos optaram por não participar alegando motivos diversos. Outra questão importante foi descobrir o momento de parar e conseguir focar nas pesquisas já realizadas. O tema era tão amplo que, sem um foco definido, a vontade de continuar indefinidamente as investigações teria atrapalhado o desenvolvimento do trabalho.
UFABCiência - Deixe uma frase que sintetize a importância da contribuição da sua dissertação para o universo científico e o cotidiano das pessoas.
A desmistificação deste ícone, que carrega o mito da superioridade humana (europeia), é extremamente importante para se discutir uma sociedade com justiça social e ambiental, em que o ser humano venha a se perceber não mais como um ser ungido por Deus ou biologicamente melhorado, mas sim como parte da natureza, tal qual outros seres vivos.
Perfil
Patrícia da Silva Santos
Licenciada e bacharel em biologia, mestre em Ensino, História e Filosofia das Ciências e Matemática, com ênfase em ensino. Atualmente trabalha como educadora no ensino de jovens e adultos.
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