A comunicação pública do Senado no enfrentamento à desinformação
Michel Carvalho da Silva, egresso do Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais da UFABC, pesquisou, durante o doutorado, a atuação da comunicação pública do Senado Federal no combate à desinformação no Facebook.
Um de seus principais objetivos era investigar as finalidades e estratégias discursivas do Senado contra as fake news na referida rede social, a partir do contrato comunicacional firmado tacitamente – isto é, de modo implícito e subentendido – entre esse parlamento e os cidadãos. Segundo o pesquisador, sua tese concentrou-se em analisar como uma instituição política lida com a eclosão de informações enganosas em seus canais de comunicação digital.
De acordo com o egresso, sua pesquisa pode contribuir para a discussão acerca do fenômeno social da desinformação, e para enfatizar a importância de uma política de comunicação pública republicana, eficiente e plural, que combata as informações falsas em prol da cidadania brasileira.
Além de doutor em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC, Michel é mestre em Ciências da Comunicação pela USP, especialista em Comunicação Pública e graduado em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Atualmente, é chefe dos Serviços de Comunicação Social da Câmara Municipal de Cubatão.
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Dados | Egresso
Nome completo
Michel Carvalho da Silva
Formação acadêmica (cursos e instituições)
∙ Doutorado em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC;
∙ Mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo;
∙ Especialização em Comunicação Pública pela Universidade Gama Filho;
∙ Bacharelado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Católica de Santos.
Profissão / experiência profissional
Atuo hoje como chefe dos Serviços de Comunicação Social da Câmara Municipal de Cubatão (SP), tendo ingressado em 2014, por concurso público, no cargo de jornalista. Tenho experiência nas áreas de "comunicação pública" e "comunicação e educação", atuando principalmente nos seguintes temas: discursos midiáticos, comunicação institucional, comunicação política, desinformação, educação midiática, educomunicação e letramento político. Sou integrante do grupo de pesquisa “Mediações Educomunicativas” (MECOM), vinculado à ECA/USP. Também sou associado à Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), e membro da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública).
Programa de pós-graduação e curso (mestrado ou doutorado) concluído na UFABC
Doutorado em Ciências Humanas e Sociais.
Como sua trajetória neste curso de pós-graduação na UFABC contribuiu para sua formação?
Após meu ingresso no Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais (PCHS) da UFABC, em 2016, amadureci o escopo do meu objeto de pesquisa, a partir da proposta interdisciplinar da instituição. Nesse itinerário, o PCHS foi fundamental para a construção do meu objeto científico, retirando-o da condição de mera percepção pessoal para o estágio da construção do problema de pesquisa, ancorado, evidentemente, nas referências compartilhadas durante o curso. O PCHS me fez sair da “zona de conforto” e confrontar-me com questões importantes para todo pesquisador, como: “O que tem de inédito no que estou propondo?”, “O estudo quer apenas comprovar o que defendo?” e, por último, “Qual a relevância social desse estudo?”. A busca de objetividade é uma exigência de toda investigação científica, mas esse parâmetro não quer dizer, necessariamente, neutralidade como sinônimo de inexistência de posicionamento frente ao objeto de pesquisa. Acredito não existir metodologia neutra, principalmente quando o principal objetivo é analisar o potencial de um determinado fenômeno social – no meu caso, a comunicação pública e a desinformação. Durante o curso, observei que é natural que a análise decorrente desse processo seja movida por certo direcionamento metodológico, desde que se respeite o rigor científico que permeia o trabalho do pesquisador. Existe, sim, a tendência de querer comprovar hipóteses, manipulando variáveis no sentido de “corporificar” as evidências científicas. Dessa maneira, é impossível ser neutro, ainda mais quando o objeto de pesquisa tem consonância com a atuação profissional do pesquisador – o que ocorreu comigo neste trabalho. Enfim, o itinerário da pesquisa, agravado pela pandemia, foi desafiador, mas somente foi possível concluir esse caminho pelo suporte dado por toda a UFABC, incluindo professores, técnicos e colegas de curso.
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Dados | Tese
Título
A comunicação pública no enfrentamento à desinformação: estratégias e rupturas no contrato comunicacional do Senado no Facebook
Data da defesa
14 de maio de 2021
Nome do orientador
Prof. Dr. Claudio Luis de Camargo Penteado
Linha de pesquisa
Comunicação, cultura e tecnologia
Link para a tese
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Questões | Pesquisa
Qual o tema da sua pesquisa e por que o escolheu?
Sou um profissional da comunicação pública há mais de dez anos e o fenômeno da desinformação foi algo com que sempre tive de lidar na minha prática profissional. Num primeiro momento, pensei em focar nas potencialidades educativas das plataformas digitais de órgãos do Estado – de modo particular a fanpage do Senado, um dos maiores perfis institucionais do mundo. Durante o curso da pesquisa, no entanto, determinados acontecimentos políticos e sociais (eleições presidenciais nos EUA e no Brasil) fizeram-me reavaliar meu objetivo de pesquisa, de modo que passei a me concentrar na análise de como uma instituição política lida com a eclosão de informações falsas e enganosas em seus canais de comunicação digital.
Quais eram seus objetivos (gerais e específicos)?
O objetivo central foi investigar as finalidades e estratégias discursivas do Senado Federal no enfrentamento à desinformação no Facebook, a partir do contrato comunicacional firmado tacitamente entre esse parlamento e os cidadãos. O trabalho de pesquisa ainda teve como objetivos específicos:
∙ Discutir como o problema da desinformação é enquadrado pelo discurso da comunicação pública do Senado no Facebook, de 2013 a 2019;
∙ Verificar se a comunicação pública do Senado no Facebook contribui para produzir marcos interpretativos sobre a propagação de informações falsas e enganosas;
∙ Examinar as visadas (finalidades) e as estratégias discursivas do Senado, no Facebook, no processo de mitigação da desinformação;
∙ Analisar os comentários dos leitores das publicações da página do Senado no Facebook sobre desinformação, notando a quais formações discursivas filiam-se; e
∙ Identificar possíveis rupturas no contrato comunicacional do Senado no Facebook, levando em conta as expectativas “linguageiras” nutridas pelos parceiros da troca comunicativa.
Como foi sua realização (materiais e métodos, metodologia, corpus etc.)?
A pesquisa foi dividida em dois eixos de análise. Em primeiro lugar, foram examinados quarenta e sete posts da fanpage do Senado, publicados entre 2013 e 2019, que versavam, predominantemente, sobre desinformação e assemelhados semânticos (boatos, fake news, deep fakes e informações enganosas). O estudo fez uso da análise exploratória para esmiuçar a identidade social do Senado como sujeito comunicante. A partir dessa representação construída, utilizaram-se técnicas da Teoria Semiolinguística do Discurso, calcada na obra de Patrick Charaudeau, para a análise das publicações. No segundo eixo, foram analisados os comentários dos leitores do referido dispositivo comunicacional, adaptando-se os procedimentos da análise de enquadramento. O trabalho discutiu os efeitos pretendidos (instrução, refutação e informação) pelo Senado no corpus selecionado, a partir de sete categorias (crítica à comunicação do Senado; crítica ao tema do post; crítica à mídia em geral; crítica ao parlamento; confrontação política; desvio; e endosso).
Quais foram os desafios enfrentados?
A desinformação é um fenômeno complexo e mitigar seus efeitos é um desafio. Desse modo, minha pesquisa quis contribuir com esse debate, mas sob o ponto de vista da comunicação pública e da noção de contrato de comunicação. Como um exame ancorado em opiniões e percepções pessoais, feitas em um dispositivo de enunciação específico (a fanpage do Senado), as representações manifestas no conjunto de comentários analisados foram interpretadas com precaução. Apesar dessa ressalva, acredito que os discursos categorizados auxiliarão em investigações futuras, por apresentarem dados generalizáveis aos leitores de ambientes digitais de instituições políticas. Quem se debruça a estudar discursos no ambiente digital está sujeito a enviesamentos, produzidos estrategicamente por perfis automatizados. Dessa forma, em minha pesquisa, optei por não utilizar softwares de semântica aplicada para o exame dos discursos, e decidi construir um modelo analítico mais adequado aos objetivos da tese, classificando cada unidade enunciativa de forma manual. Foi um processo cansativo, pois exigia atenção e revisão a todo momento. Mas acredito que o resultado final traduz o que se vê, majoritariamente, no dia a dia das páginas de governos e parlamentos.
Quais foram os principais resultados alcançados?
Ao final, verificou-se que a comunicação pública do Senado no Facebook, ao se valer do conhecimento comum partilhado e do sistema de valores/crenças sobre o mundo em que atua, produz enunciados que buscam reforçar a sua imagem de instituição credível de informação pública, em contraponto ao não reconhecimento de autoridade por parte significativa dos leitores da fanpage em questão. No entanto, essa tentativa de construir uma imagem-conceito no imaginário popular é dificultada pelo cenário de crise sistêmica, que coloca em xeque a credibilidade das instituições tradicionais de autoridade, como o Poder Legislativo.
Descreva, resumidamente, a importância acadêmica e social de sua pesquisa, isto é, sua contribuição para o universo científico e o cotidiano das pessoas.
Creio que a maior contribuição foi discutir o fenômeno da desinformação sob o ponto de vista da comunicação pública e da ruptura contratual, tendo como instrumento analítico a teoria semiolinguística do discurso – que se mostra uma profícua possibilidade de aplicação teórico-metodológica no campo emergente de estudos sobre comunicação digital, principalmente no exame das estratégias discursivas para a mitigação de efeitos desinformativos. Acredito que refletir sobre os comentários feitos em torno do universo das informações falsas e enganadoras é de fundamental importância para indicar alternativas para a redução de dissonâncias entre o que é pretendido pela comunicação pública e o que é realmente assimilado pelo cidadão quando acessa perfis de órgãos do Estado. Nesses tempos de abundância informacional e de corrosão da democracia representativa, precisamos urgentemente pensar numa política de comunicação pública republicana, eficiente e plural, que combata a desinformação e contribua para ampliar o espectro da cidadania brasileira.
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