O estado de exceção da política de pacificação do Rio de Janeiro
Vinicius Felix da Silva, egresso do Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais da UFABC, pesquisou, durante o mestrado, política pública estadual de "pacificação" de favelas do Rio de Janeiro.
Um de seus principais objetivos, do ponto de vista empírico, era investigar se a política de pacificação do Rio de Janeiro poderia ser definida como uma política de exceção. Já do ponto de vista teórico-metodológico, seu objetivo era operacionalizar as teorias do filósofo Giorgio Agamben sobre o estado de exceção na análise de políticas públicas factuais.
De acordo com o egresso, um dos principais resultados de sua pesquisa foi a identificação de sete dimensões em que a excepcionalidade pode ser modulada – o que permitiu a validação de hipóteses sobre a relação entre os estados de exceção e o Estado de Direito –, além da classificação precisa de 17 instrumentos de exceção distintos. No que se refere à investigação do objeto empírico, concluiu que, de fato, a referida política de pacificação constitui um estado de exceção, ao qual denominou de "estado de exceção pacificador"; dentre outros resultados. Segundo o pesquisador, sua dissertação de mestrado contém a mais completa revisão da literatura acadêmica nesse tema até a data de sua publicação, e poderia contribuir para auxiliar a sociedade e os gestores públicos a (re)pensarem melhor as políticas de segurança pública.
Além de mestre em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC, Vinicius é doutorando em Mudança Social e Participação Política na Universidade de São Paulo, onde graduou-se em Gestão de Políticas Públicas. Atualmente, trabalha como analista de Políticas Públicas e Gestão Governamental na Prefeitura de São Paulo, no Gabinete da Secretaria Municipal de Segurança Urbana.
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Dados | Egresso
Nome completo
Vinicius Felix da Silva
Formação acadêmica (cursos e instituições)
∙ Doutorando em Mudança Social e Participação Política na Universidade de São Paulo;
∙ Mestre em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC;
∙ Bacharel em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade de São Paulo.
Profissão / experiência profissional
∙ Analista de Políticas Públicas e Gestão Governamental na Prefeitura de São Paulo, no Gabinete da Secretaria Municipal de Segurança Urbana [2016 - atual];
∙ Assessor Técnico II na Assessoria de Gestão Estratégica do Gabinete da Secretaria Municipal de Licenciamento da Prefeitura de São Paulo [2013 - 2016];
∙ Estagiário no Departamento de Planejamento e Desenvolvimento de Recursos Humanos da DERSA [2011 - 2012];
∙ Estagiário na Unidade de Fomento, Difusão e Produção Cultural - Programa de Ação Cultural (ProAC-ICMS) da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo [2011];
∙ Estagiário na Superintendência de Governos (SUGOV) da Nossa Caixa Desenvolvimento (atual Desenvolve SP) [2010].
Programa de pós-graduação e curso (mestrado ou doutorado) concluído na UFABC
Mestrado em Ciências Humanas e Sociais.
Como sua trajetória neste curso de pós-graduação na UFABC contribuiu para sua formação?
A realização do mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais (PCHS) da UFABC, sob orientação da professora Dra. Camila Caldeira Nunes Dias, foi fundamental para o autorreconhecimento e amadurecimento da minha vocação enquanto pesquisador, e ponto de consolidação do meu interesse de pesquisa – originalmente identificado na graduação e ainda perseguido, agora, no doutorado: a investigação das relações entre estado de exceção e política pública. Como intervalo entre minhas duas vinculações acadêmicas com a Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH|USP), o mestrado no PCHS abriu horizontes pelo acesso a novos universos de perspectivas teóricas e metodológicas, bem como pelo contato direto com pesquisadoras e pesquisadores geniais – consagrados ou promissores em suas diversas áreas de pesquisa –, alguns dos quais tenho a honra de poder chamar de amigas e amigos. Esse período também me oportunizou a publicação de meus primeiros artigos solo ou como autor principal, inclusive em periódico de grande reputação nacional (BIB-ANPOCS).
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Dados | Dissertação
Título
O estado de exceção pacificador: modulações da exceção em Agamben e na política de pacificação do Rio de Janeiro
Data da defesa
14 de dezembro de 2018
Nome da orientadora
Profa. Dra. Camila Caldeira Nunes Dias
Linha de pesquisa
Estado, Políticas Públicas e Sociedade Civil
Link para a dissertação
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Questões | Pesquisa
Qual o tema da sua pesquisa e por que o escolheu?
Minha pesquisa de mestrado foi sobre os aspectos de exceção aventados e, de fato, distinguíveis na política pública estadual de "pacificação" de favelas do Rio de Janeiro, iniciada em 2008, tendo como carro chefe as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Essa era uma questão que me instigava desde a pesquisa sistematizada no meu trabalho de conclusão do curso de Gestão de Políticas Públicas, que também versava sobre a política de pacificação, porém, sob a perspectiva teórica do processo civilizador de Norbert Elias (1993; 2011). Um dos resultados daquele meu TCC foi a elaboração da hipótese de que os propósitos da política de pacificação, conquanto ambíguos, só poderiam ser atingidos mediante algum tipo de flexibilização na aplicação das sanções respaldadas e constitutivas do paradigma da chamada "guerra às drogas", que preconiza o enfrentamento letal, com armamento de guerra e sem qualquer precaução por "danos colaterais", contra grupos envolvidos no narcotráfico nas favelas e outras periferias do Rio de Janeiro, do Brasil e, enfim, das Américas.
Quais eram seus objetivos (gerais e específicos)?
Os objetivos da pesquisa diziam respeito a, do ponto de vista teórico-metodológico, operacionalizar as teorias de Giorgio Agamben sobre o estado de exceção na análise empírica de políticas públicas factuais; e, do ponto de vista empírico, investigar se a política de pacificação do Rio de Janeiro poderia ser definida como uma política de exceção.
Como foi sua realização (materiais e métodos, metodologia, corpus etc.)?
A pesquisa foi precedida pelo desenvolvimento de um framework para a análise de políticas públicas excepcionalistas, elaborado pela combinação de duas teorias, de campos distintos de conhecimento sobre o fenômeno político – de um lado, a filosofia política e, de outro, a análise de políticas públicas. Da filosofia política de Giorgio Agamben ("Homo Sacer", de 1995, e "Stato di eccezione", de 2003), sistematizei uma noção que chamei de "modulação da excepcionalidade", que aponta como a tensão entre Estado de Direito e estados de exceção não é plenamente explicada por um recorte dicotômico, mas precisa ser considerada como um continuum. Da tradição da análise de políticas públicas, resgatei o modelo de análise chamado "paradigma de políticas públicas" (policy paradigm), proposto por Peter Hall ("Policy paradigms, social learning, and the state: The case of economic policymaking in Britain", 1993) e desenvolvido ulteriormente por Wilder e Howlett ("The politics of policy anomalies: Bricolage and the hermeneutic of paradigms", 2013), como heurística para organizar as hipóteses de Agamben sobre o estado de exceção, em quatro níveis de modulação paradigmática da excepcionalidade: a exceção como paradigma jurídico; a exceção como paradigma de governo; a exceção como técnica de governo; e a exceção como medida concreta. Do ponto de vista empírico, a pesquisa foi documental, respaldando-se nos documentos oficiais relacionados à política de pacificação do Rio de Janeiro, como fontes primárias, e em uma ampla e diversificada revisão da literatura de ponta sobre a política de pacificação, como fonte secundária. Nessa revisão, as principais teses e dissertações disponíveis online, bem como livros e artigos complementares, foram organizadas em quatro corpus de literatura – críticas jurídico-políticas da política de pacificação; avaliações do impacto das UPPs; estudos gerenciais dos programas relacionados à política de pacificação; e etnografias em comunidades pacificadas –, abordados como referências para se discutir cada um dos níveis de modulação paradigmática constitutivas do framework.
Quais foram os desafios enfrentados?
Um dos principais desafios da pesquisa foi a carência de referências metodológicas para a aplicabilidade das teorias sobre o estado de exceção – particularmente as de Agamben – na análise de políticas públicas concretas. Isso teve de ser contornado com uma elaboração teórico-metodológica original. Outra dificuldade foi a falta de consensos sobre a política pública de pacificação, que, apesar disso, no período da pesquisa, já contava com um considerável corpo de pesquisas acadêmicas qualificadas. Enfim, encontrei dificuldade no acesso a algumas teses e dissertações, mesmo desenvolvidas por pesquisadores de universidades públicas. O acesso a essas pesquisas certamente teria enriquecido não apenas os resultados da minha dissertação, mas o debate que busquei estimular entre corpus de literatura distintos.
Quais foram os principais resultados alcançados?
Ainda na fase de elaboração do framework sobre políticas públicas excepcionalistas, um dos principais resultados foi a identificação e definição de sete dimensões nas quais a excepcionalidade pode ser modulada. Por um lado, isso permitiu validar algumas hipóteses recorrentes sobre os estados de exceção e sua relação com o Estado de Direito – como a de que uma concentração absoluta de poderes políticos corresponderá a uma derrogação geral de direitos individuais –, e introduzir outras, como a de que, mesmo na vigência do Estado de Direito, é possível destituir completamente indivíduos e populações de qualquer proteção jurídica estatal. Por outro lado, possibilitou também a classificação precisa, e sem duplicidades, de 17 instrumentos de exceção distintos, identificados em Agamben. Na fase de investigação do objeto empírico, além da resposta positiva à questão de se a política de pacificação do Rio de Janeiro constitui um estado de exceção, foi identificado o mecanismo específico que permite classificá-la como um paradigma de governo excepcionalista sui generis – ao qual chamei de "estado de exceção pacificador", adotado como título da minha dissertação. Também foram identificados e classificados outros três instrumentos de exceção característicos, embora não exclusivos dessa política: os decretos retroativos, o mandado de busca e apreensão genérico, e as operações de garantia de lei e ordem.
Descreva, resumidamente, a importância acadêmica e social de sua pesquisa, isto é, sua contribuição para o universo científico e o cotidiano das pessoas.
Eu penso que a principal contribuição da minha dissertação de mestrado é conter um registro e uma análise densos e abrangentes (embora não exaustivos) de uma política pública que, no seu auge, foi tratada por muitos atores nacionais e internacionais – mesmo sendo uma política subnacional – como um game changer na política de segurança pública do Rio de Janeiro, igualmente famosa, nacional e internacionalmente, por seus inúmeros e recorrentes problemas. Com seus sucessos e fracassos, essa política de pacificação de fato afetou a vida de milhares (ou mesmo milhões) de brasileiros moradores ou não das favelas do Rio de Janeiro, nas duas primeiras décadas do século XXI. Se minha pesquisa ajudar qualquer uma dessas pessoas a fazer sentido da sua experiência sob tal política, penso que terá cumprido seu propósito. E tanto mais se auxiliar a sociedade e os gestores públicos a (re)pensarem melhor nossas políticas de segurança pública. Sendo também a mais completa revisão da literatura acadêmica nesse tema até a data de sua publicação, acredito que tem importância como referência para a introdução e a continuidade dos estudos sobre a política de pacificação do Rio de Janeiro. Enfim, do ponto de vista estritamente acadêmico, espero que também possa contribuir para familiarizar e instrumentalizar pesquisadores, tanto dos estados de exceção quanto das políticas públicas, com referencial teórico e metodológico que lhes permitam formar novas e melhores pontes sobre esses usualmente distintos campos de investigação.
1 - Instrumentos de exceção, por abrangência da usurpação de poderes e da derrogação de direitos
2 - Abrangência da excepcionalidade em instrumentos de exceção identificados em Agamben
3 - Framework do paradigma de políticas públicas excepcionalistas
4 - Abrangência da excepcionalidade em instrumentos de exceção identificados na política de pacificação
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