Tecnologias de inclusão social na gestão da urbanização popular
Lucia Antonela Mitidieri, egressa do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão do Território da UFABC, pesquisou, durante o mestrado, acerca do uso de Tecnologias de Inclusão Social (TIS) como estratégia de gestão na urbanização popular.
Seu principal objetivo era analisar a dimensão urbana das TIS em dois aspectos: como solução de problemas comunitários e habitacionais; e como estratégia de gestão para processos de urbanização popular. De acordo com a egressa, a urbanização popular pode ser considerada uma resposta da própria população para a ineficiência do Estado em solucionar problemas como a pobreza e a exclusão territorial.
Nesse sentido, optou por estudar a experiência do Programa Hábitat y Ciudadanía no bairro Nuevo Golf – um dos maiores territórios de exclusão da cidade de Mar del Plata, na Argentina, segundo ela. Para a pesquisadora, os resultados observados demonstram as transformações territoriais produzidas por processos e práticas de TIS e de urbanização popular, e indicam que redes de gestão com múltiplos atores e setores sociais podem constituir uma estratégia alternativa de urbanização desses territórios.
Lucia ingressou na UFABC a partir de um edital da Organização dos Estados Americanos (OEA) e do Grupo Coimbra de Universidades Brasileiras (GCUB). Além de mestra em Planejamento e Gestão do Território pela UFABC, é graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidad Nacional de Mar del Plata (Argentina). Atualmente, cursa o doutorado em Ciências Sociais e Humanas na Universidad Nacional de Luján (Argentina).
...
Dados | Egressa
Nome completo
Lucia Antonela Mitidieri
Formação acadêmica (cursos e instituições)
∙ Doutorado em Ciências Sociais e Humanas - Universidad Nacional de Luján (UNLu / Argentina) | 2022 - atualidade;
∙ Mestrado em Planejamento e Gestão do Território - Universidade Federal do ABC (UFABC) | 2019;
∙ Graduação em Arquitectura y Urbanismo - Facultad de Arquitectura, Urbanismo y Diseño (FAUD) de la Universidad Nacional de Mar del Plata (UNMdP / Argentina) | 2015.
Profissão / experiência profissional
∙ Bolsista do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (CONICET) | 2022;
∙ Professora de teoria e crítica na FAUD | 2019;
∙ Bolsista da UNMdP | 2019;
∙ Bolsista da Organização dos Estados Americanos (OEA) | 2017;
∙ Professora de desenho arquitetônico na FAUD | 2015.
Programa de pós-graduação e curso (mestrado ou doutorado) concluído na UFABC
Mestrado em Planejamento e Gestão do Território.
Como sua trajetória neste curso de pós-graduação na UFABC contribuiu para sua formação?
Em 2017, na minha chegada ao Brasil, fui muito bem recebida pelo corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão do Território. Professores como Gerardo Silva, Francisco Comarú, Ricardo Moretti e Patricia Maria de Jesus fizeram por mim mais do que transmitir os seus conhecimentos. Ainda no âmbito acadêmico, tive a honra de fazer parte do Laboratório de Justiça Territorial, com profissionais e pesquisadores muito comprometidos com a realidade social, o que contribuiu enormemente para o meu envolvimento com o território.
...
Dados | Dissertação
Título
Tecnologias de inclusão social como estratégia de gestão na urbanização popular do bairro Nuevo Golf.
Data da defesa
18 de junho de 2019
Nome da orientadora
Profa. Dra. Maria de Lourdes Pereira Fonseca
Linha de pesquisa
Dinâmicas territoriais
Link para a dissertação
...
Questões | Pesquisa
Qual o tema da sua pesquisa e por que o escolheu?
O trabalho consecutivo no território, ao longo de três anos, motivou o meu interesse por compreender em profundidade os processos de urbanização popular, os quais formaram o escopo desta pesquisa. O conceito de tecnologia social também suscitou a minha curiosidade, sendo que, ao chegar ao Brasil, achei uma noção geral do termo, difundida pelo Instituto de Tecnologia Social e a Fundação Banco do Brasil. Na academia, no entanto, a questão se aprofundava: após ser revisada a literatura sobre o tema, principalmente a produzida no contexto latino-americano, além do termo tecnologia social (DAGNINO, 2014), os termos tecnologia de inclusão social (CACOPARDO, 2016) e tecnologia para a inclusão (THOMAS, 2009) começaram a aparecer. Assim, o meu “estar” no território, junto com a revisão da literatura sobre a urbanização popular, indicavam que a abordagem das estratégias de gestão nesses territórios não ia muito além da atuação sob a ótica da gestão pública, ou, pelo contrário, e de forma mais escassa, sob a atuação da autoconstrução (PIREZ 2014). As Tecnologias de Inclusão Social (TIS) como estratégias de desenvolvimento local já vinham sendo abordadas por alguns autores argentinos, como Paula Peyloubet e seu grupo de pesquisa, nucleados no Centro de Estudios de la Vivienda Económica (CEVE), e autores brasileiros, como Renato Dagnino (2004-2014). Contudo, a dimensão urbana das TIS – e aqui estou me referindo às transformações territoriais que podem ser emergentes de processos de desenvolvimentos tecnológicos (CACOPARDO et. al, 2018) – só ocupavam um pequeno espaço dentro das indagações feitas pelo meu grupo de pesquisa. São esses os motivos que me levaram a me aprofundar nessa lacuna de conhecimento: as TIS na sua dimensão urbana, como estratégia de gestão para a urbanização popular.
Quais eram seus objetivos (gerais e específicos)?
O objetivo era indagar a dimensão urbana das TIS em dois aspectos: como solução de problemas comunitários e habitacionais; e como estratégia de gestão para processos de urbanização popular.
Como foi sua realização (materiais e métodos, metodologia, corpus etc.)?
Os critérios metodológicos, que visavam produzir dados para uma visão integral dos processos decorrentes de cada desenvolvimento tecnológico, surgiram do marco analítico-conceitual das próprias TIS. Partiu-se da abordagem sócio-técnica, entendida por Thomas (2009) como a relação intrínseca entre sociedade e tecnologia, que tende a focalizar as relações problema-solução como um complexo processo de “co-construção”. A seleção da amostra do estudo baseou-se na experiência e observação dadas pela temporalidade do trabalho territorial. Vale esclarecer que quando se faz alusão à experiência no território, esta não é um “objeto” à procura de ser “descoberto”; trata-se, ao contrário, de um processo de acompanhamento (PEYLOUBET; ORTECHO,2015) de mais de três anos. Esse fato facilitou a escolha dos casos que seriam analisados. Pelo meu envolvimento com os processos, consegui avaliar quais desenvolvimentos de TIS seriam relevantes para esta pesquisa. Esse fato fez com que a “coleta de dados” tivesse início muito antes do desenvolvimento desta dissertação, o que, de alguma forma, pode ser considerado um processo de pequisa-ação (THIOLLENT, 2011) ou pesquisa militante (ZIBECHI, 2015). Para o tratamento dos dados, diferentes tipos de gráficos foram elaborados, a fim de identificar a relação entre desenvolvimentos tecnológicos e transformações territoriais. No nível gráfico, um sociograma representa relações interpessoais por meio de pontos (indivíduos) que aparecem ligados por uma ou mais linhas (relações). Além da analise empírica da experiência no território, este trabalho apresenta uma abordagem genealógica e uma abordagem bibliográfica (DUARTE, 2002) para tratar dos temas envolvidos. A abordagem genealógica foi utilizada para a recomposição de um conceito, o de Tecnologia de Inclusão Social. A revisão bibliográfica foi utilizada para tratar de temas como urbanização popular e gestão urbana.
Quais foram os desafios enfrentados?
Como afirmar que um processo foi bem-sucedido? Como particularizar os limites, ou mesmo os contratempos ou adversidades que seria bom superar? Cada processo é uma folha em branco, que vai se preenchendo na medida em que a pesquisa evolui. Contudo, a contribuição que eu pretendia gerar ao olhar desde esses territórios, e não para eles, não foi cometida em sua totalidade. Embora eu tenha tentado levantar as principais vozes no processo de urbanização popular do bairro Nuevo Golf, reconheço que, ao ter adotado uma metodologia que parte mais da voz do pesquisador do que do morador, nem todas as vozes conseguiram ser captadas. Esse, portanto, é um desafio que coloco para uma futura abordagem. Nos capítulos 2, 3 e 5 eu adoto a postura de técnica dos “grupos autônomos” que Pelli (2006) descreve, e me expresso na condição de cogestora das TIS – fundamentalmente, para entrever como a aplicação de uma metodologia de gestão em rede pode trazer alguma contribuição na transformação desses territórios. Esse posicionamento pode gerar romances ou ilusões, ou até uma falta de objetividade, que poderia ser alvo de críticas em qualquer pesquisa. Mesmo assim, permito-me ser “romântica”, no sentido de acreditar que existe uma luta e também um espaço onde se pode experimentar e repensar, que não é só no interior da academia, mas na formação de coletivos múltiplos de pensamento e ação – como colocado por Cuquicanqui (2018).
Quais foram os principais resultados alcançados?
Na construção da pesquisa, a ideia de emergência permitiu-me compreender que uma dissertação é um momento de perguntas, não com uma única, mas com múltiplas respostas – todas válidas. O primeiro capítulo começa com o questionamento: como abordar a urbanização popular? Pretende servir de ponto de interrogação às categorias hegemônicas, para compreender a urbanização popular e abrir o diálogo com os saberes e potencialidades que esses territórios possuem. Numa segunda instância, chama a atenção que a caracterização feita desses espaços, além de reduzida, é situada unicamente em metrópoles. O segundo capítulo, “Gestão urbana: propostas de intervenção em territórios de exclusão”, traz uma pergunta aparentemente transformadora da realidade dos territórios de exclusão – “e a cidade?” –, que, ao ser respondida pelo mercado e pelo Estado, produz e reproduz uma “solução” de urbanização unicamente sob o seu olhar, embora a bandeira da participação da sociedade civil seja levantada. Em contrapartida, e ainda atuando em aliança com o mercado e o Estado, serão apresentadas as propostas de intervenção de grupos técnicos autônomos, que pretendem contribuir com uma gestão mais justa e que responda à pergunta “e as pessoas?”. No terceiro capítulo, “Tecnologia de inclusão social: conceitos, discursos e práticas”, interessei-me por montar o percurso epistemológico do termo, para depois questionar o discurso que “circula” em torno dele na sociedade, criado pelos grupos hegemônicos. O objetivo de abrir essa discussão foi demonstrar que a TIS não pode ser unicamente um conceito altruísta, nem somente um discurso de transformação potente. Deve ser um processo e uma prática, se o que se procura é contribuir para a transformação dos territórios e o desenvolvimento e emancipação das pessoas que irão praticá-la. Os quarto e quinto capítulos foram destinados a compreender e analisar as práticas, o território e os emergentes. No capítulo 4, “Processos e práticas de urbanização popular”, percorreu-se a trajetória de um dos maiores territórios de exclusão da cidade de Mar del Plata, o bairro Nuevo Golf, identificando acontecimentos e processos importantes na sua evolução. A sistematização dessas práticas de urbanização popular permitiu gerar entendimentos sobre as transformações territoriais emergentes que foram completadas no capítulo 5, “Práticas de Tecnologias de Inclusão Social”. Nesse último capítulo, foram analisados os desenvolvimentos de TIS implementadas no mesmo bairro e sistematizadas as emergências das práticas produzidas. Para concluir, as perguntas feitas ao longo dos capítulos foram retomadas, como foi dito, sem a intenção de gerar uma única resposta, mas de refletir a partir das práticas teóricas.
Descreva, resumidamente, a importância acadêmica e social de sua pesquisa, isto é, sua contribuição para o universo científico e o cotidiano das pessoas.
Posso dizer que os sistemas tecnológicos sociais, perspectiva utilizada para abordar e gerar dinâmicas de produção focadas não apenas no próprio problema, mas em todo o conjunto de relacionamentos em que o problema está imerso, são transformadores do território e da sociedade e, ao mesmo tempo promotores do processo de urbanização popular. Nesse sentido, os desenvolvimentos de TIS pretendem contribuir a partir de ações com conteúdo cognitivo, que conferem sentido à tecnologia e têm a capacidade de transformar o território e o próprio ator que as empreende. As sequências de fotos e os mapas de transformações territoriais que acompanham o capítulo 5 ajudam a visualizar os processos nos quais as mudanças se fazem evidentes. Os testemunhos também dão indícios de como os moradores mudam as suas necessidades e perspectivas.
--
Alianças sociotécnicas nas práticas emergentes de Tecnologias de Inclusão Social
Fonte: Elaboração própria, com base em Cacopardo (2017).
Alianças sociotécnicas nas práticas de urbanização popular
Fonte: Elaboração própria, com base em Cacopardo (2017).
Transformações territoriais emergentes
Fonte: Google Earth (2018), adaptada pela autora (2019).
Localização e relevo do bairro Nuevo Golf
Fonte: Google Earth (2018), adaptada pela autora (2019).
Redes Sociais