Tráfico internacional de mulheres: construindo um regime internacional com enfoque em direitos humanos?
Verônica Maria Teresi, egressa do Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais da UFABC, pesquisou, durante seu curso de doutorado, o processo de construção de um regime internacional de atendimento às vítimas do tráfico de pessoas, especialmente mulheres, a partir do enfoque em direitos humanos.
Graduada em Direito e mestra em Direito Internacional, é pesquisadora dessa temática há mais de 18 anos. Ao abordá-la em seu doutoramento, um de seus objetivos era analisar um regime de proteção aos direitos humanos das vítimas em contraste com um regime focado na criminalização e no Estado, e verificar qual desses aspectos o Brasil e a Espanha privilegiam em suas políticas referentes a essa questão.
Ao concluir sua tese, dentre outras considerações, observou que, embora haja avanços na constituição de uma mentalidade relativa à necessidade de proteção das vítimas, bem como políticas públicas que condicionam os estados a atendê-las, ainda há muito a se fazer para que estejam, efetivamente, na centralidade de ações nacionais e internacionais de enfrentamento ao tráfico de pessoas.
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Dados | Egressa
Nome completo
Verônica Maria Teresi
Formação acadêmica (cursos e instituições)
Doutora em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC (2021)
Mestra em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos (2007)
Graduada em Direito pela Universidade Católica de Santos (2000)
Profissão / experiência profissional
Atualmente, desenvolve pesquisa pós-doutoral na Universidade Federal do ABC sobre o tema "Tráfico de pessoas como fenômeno global: análise do enfrentamento ao tráfico de pessoas para fins de exploração laboral e sexual no Brasil e na Espanha (2000-2022)". É doutora em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC (2021), tendo sido contemplada por uma Bolsa da CAPES. Mestre em Direito Internacional (2007) e graduada em Direito pela Universidade Católica de Santos (2000). Cursou algumas matérias da especialização em Sociologia Jurídica da Universidade de Buenos Aires, Argentina (2001/2002). Publicou 11 artigos em periódicos, seis trabalhos em anais de eventos, um livro de sua autoria, dois em coautoria e sete capítulos de livros. Apresentou 22 trabalhos, desenvolveu 15 trabalhos técnicos para organizações nacionais, internacionais e da sociedade civil (UNODC, ICMPD, OIM, OIT, Secretaria de Políticas para as Mulheres do Brasil, Rede de Mulheres do Mercosul, Secretaria de Justiça e Secretaria de Segurança Pública do Ministério da Justiça, Fundap/SP, entre outras). Possui 31 orientações de trabalhos de conclusão de curso concluídas. Foi coordenadora da Comissão Municipal de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil do Município de Santos, (de fevereiro de 2011 a março de 2012). Participa de seis grupos de pesquisa vinculados à UFABC, UNIFESP, UnB e UniSantos, nas áreas de Cooperação para o Desenvolvimento, Direito da Criança e do Adolescente, Políticas Públicas e Tráfico de Pessoas. Tem experiência na área acadêmica, formação e atuação interdisciplinar com ênfase em direitos humanos, atuando principalmente nos seguintes temas: tráfico internacional de pessoas, tráfico internacional de mulheres, cooperação internacional para os direitos humanos, migração internacional, gênero, exploração sexual, vulnerabilidade regional e rede de atenção às vítimas do tráfico de pessoas. É pesquisadora associada ao Instituto Universitário de Desarrollo y Cooperación da Universidad Complutense de Madrid (IUDC-UCM) desde fevereiro de 2008. É consultora Artival Research & Evaluation (Espanha) desde julho de 2021 e professora universitária da ESAMC/Santos desde agosto de 2010.
Como sua trajetória na pós-graduação na UFABC contribuiu para sua formação?
O programa de pós-graduação em Ciências Humanas e Sociais foi muito importante para a minha formação. A bagagem adquirida com a oportunidade de estudar nessa Universidade reforçou a minha necessidade de analisar o fenômeno do tráfico de pessoas (meu tema de pesquisa) a partir de uma perspectiva interdisciplinar, pensando e incorporando complexidades que são inerentes ao fenômeno do tráfico de pessoas e que perpassam por ele. O olhar interdisciplinar, rigoroso e cuidadoso dos fenômenos sociais permitiu meu crescimento e amadurecimento como pesquisadora e cientista social. A UFABC é muito importante para mim!
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Dados | Tese
Título
Tráfico internacional de mulheres: construindo um regime internacional com enfoque em direitos humanos? Estudo dos casos Brasil/Espanha
Data da defesa
10 de fevereiro de 2021
Nome do(a) orientador(a)
Dr. Gilberto Marcos Antônio Rodrigues
Curso e programa de pós-graduação
Doutorado em Ciências Humanas e Sociais
Linha de pesquisa
Estado, Políticas Públicas e Sociedade Civil
Link (site da Biblioteca da UFABC)
http://biblioteca.ufabc.edu.br/index.php?codigo_sophia=122242
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Questões | Pesquisa
Qual o tema da sua pesquisa e por que o escolheu?
O tema da minha pesquisa era sobre o tráfico internacional de pessoas, especialmente mulheres. Esse tema vem sendo pesquisado por mim há mais de 18 anos e, para mim, era importante discutir a temática do tráfico de pessoas a partir da proteção e atenção às vítimas, a partir do enfoque em direitos humanos. Minha pergunta de pesquisa foi: existe um processo de construção de um regime internacional para as pessoas vítimas do tráfico de pessoas, especialmente mulheres, a partir do enfoque em direitos humanos?
Quais eram seus objetivos (gerais e específicos)?
Tendo isso em mente, a pesquisa objetivou romper com a lógica unilateral da criminalização, e pretendeu demonstrar:
1. Se estamos diante da necessidade de criação de um regime internacional de proteção dos direitos humanos das vítimas de tráfico com enfoque baseado em direitos, que se contrasta com o regime de enfrentamento focado na criminalização e no Estado, e
2. Se o Brasil e a Espanha estão diante de um processo de construção de políticas públicas que privilegiam a proteção dos direitos das suas vítimas por meio de um enfoque em direitos humanos.
Partiu-se de uma hipótese principal e outra secundária:
Hipótese principal: a proteção e assistência internacional às vítimas de tráfico de pessoas devem estar amparadas no Marco Referencial dos Direitos Humanos e não em marcos normativos de securitização.
Hipótese secundária: as redes de OSCs são atores protagonistas no tensionamento com os Estados, na proteção (interna/internacional) das vítimas de tráfico num enfoque baseado em direitos humanos.
Como foi sua realização (materiais e métodos, metodologia, corpus etc.)?
Inicialmente, foi consultada a base de dados disponíveis na plataforma da CAPES de teses de doutorado e dissertações de mestrado, para verificar quais estudos já haviam sido realizados sobre a categoria “tráfico internacional de pessoas”. Entre 2005 e 2019, foram encontradas 28 pesquisas que abordaram essa temática. Utilizaram-se, também, as seguintes palavras-chave para complementar a busca: tráfico de pessoas, crime organizado transnacional, políticas públicas de enfrentamento ao tráfico de pessoas, e tráfico de mulheres. Na leitura das teses, constatou-se que algumas, além de terem pontos de contato com o tema desta pesquisa, foram essenciais para: 1. Verificar se o objeto de estudo já havia sido pesquisado no país; 2. Analisar o estado da arte no plano das pesquisas no Brasil referentes a essa temática (no âmbito da plataforma escolhida). Dentre elas, algumas foram extremamente relevantes para a construção do meu problema de pesquisa. Após a qualificação, em agosto de 2018, houve outra etapa de pesquisa, com a possibilidade de duas visitas à Espanha. A primeira, em agosto de 2018, para conversas informais com atores estratégicos no enfrentamento ao tráfico de pessoas; e a segunda, em fevereiro de 2020, para a realização de entrevistas, organizadas conforme planejamento e após a aprovação do Comitê de Ética da UFABC, além de uma breve estadia de pesquisa no Instituto Universitario de Desarrollo y Cooperación de la Universidad Complutense de Madrid (IUDC/UCM), que me permitiu acesso à universidade, às bases de dados de suas bibliotecas e a realização de entrevistas com atores governamentais, da sociedade civil espanhola e mulheres vítimas do tráfico de pessoas. Com a etapa de pesquisa no IUDC/UCM, abriu-se outra possibilidade de acesso a referências bibliográficas bastante amplas, com a realização de uma bibliometria, o que garantiu incorporar referências com outros olhares sobre a temática do tráfico de pessoas, numa perspectiva mais europeia. O período de desenvolvimento do doutorado (2016-2020) foi bastante rico na ponderação das questões relacionadas ao tema desta pesquisa. A participação em várias atividades com atores governamentais, do judiciário e da sociedade civil, como ouvinte, participante e até organizadora, permitiu uma reflexão e um acúmulo de materiais e perspectivas sobre a construção de um regime internacional para as vítimas de tráfico com enfoque baseado em direitos humanos – tema desta pesquisa. Utilizaram-se diversas fontes primárias, como documentos oficiais governamentais, normativas internacionais e internas do Brasil e da Espanha. Foram realizadas, também, entrevistas com atores governamentais brasileiros e espanhóis, organizações da sociedade civil do Brasil e da Espanha, e algumas e alguns especialistas na temática do tráfico de pessoas e mulheres vítimas de tráfico. Entendeu-se que era preciso escutar diversos atores que compõem ‘jogos de forças’ na construção de um regime internacional do tráfico de pessoas. Assim, fez-se necessário utilizar uma metodologia de pesquisa que abrangesse fontes orais e escritas. Nessa perspectiva, acredita-se que a entrevista semiestruturada tem como característica um roteiro com perguntas abertas, sendo indicada para estudar um fenômeno específico, como no caso desta pesquisa.
Quais foram os desafios enfrentados?
As limitações gerais, em primeiro lugar, referem-se ao lugar de onde se escreve. O lugar e o olhar da pesquisadora, mulher, ocidental, do Sul Global, orientam e, talvez, limitam suas reflexões. A construção do pensamento, as fontes utilizadas e a aproximação do objeto estão limitadas a esse olhar, mesmo que se tenha consciência dessa limitação. Ao mesmo tempo, essa condição potencializa um olhar que contribui e pode desafiar o pensamento majoritário, em geral construído pela visão masculina do Norte Global. Outra limitação da pesquisa alude à dificuldade de encontrar estudos interdisciplinares, o que dificulta observar um objeto social em sua integralidade, ainda mais quando se verifica a compartimentalização das análises e estudos das Ciências Humanas e Sociais. Isso dificultou a construção da base teórica desta tese. Os autores abordam o fenômeno desde o olhar da sua ciência, dificultando, em parte, uma perspectiva mais interdisciplinar de análise. A terceira limitação geral diz respeito ao próprio tema de estudo. O tráfico de pessoas é um fenômeno muito amplo e complexo. Ele próprio permitiria produzir muitas outras teses. Nesta pesquisa, priorizou-se a análise do fenômeno social do tráfico e do regime de enfrentamento existente, e a necessidade de olhar as vítimas de tráfico, em especial mulheres, na centralidade do regime – principalmente no que tange à garantia de direitos, por meio de um enfoque em direitos humanos. Um desafio importante foi o fato de ter finalizado em período de pandemia: algumas entrevistas que se desejava realizar pessoalmente precisaram ser feitas online.
Quais foram os principais resultados alcançados?
A pesquisa descreveu os processos de construção de políticas públicas internas de enfrentamento ao tráfico de pessoas, no Brasil e na Espanha, desde a incorporação das normativas internacionais de Palermo, assim como descreveu as políticas públicas criadas internamente, a governança e a institucionalidade desenvolvidas, analisando se têm permitido a criação de um regime com enfoque em direitos humanos, visando e priorizando a proteção e atenção às mulheres vítimas. Procurou-se identificar elementos relevantes para a construção de um regime baseado em direitos humanos, apontando reflexões para uma intervenção nessa perspectiva. Como considerações finais, avaliou-se que o jogo de forças entre os atores, nos espaços internacionais e internos nos estados, considerando também seus interesses e pautas próprias, vem permitindo avanços na construção de uma mentalidade no sentido da necessidade de proteção das vítimas. No âmbito interno, verificaram-se políticas públicas que forçam e condicionam os estados a proteger e atender as vítimas. Por outro lado, ainda há muito a ser construído e, principalmente, muito a se fazer para que as vítimas estejam, efetivamente, na centralidade das ações internacionais e nacionais de enfrentamento ao tráfico de pessoas, especialmente mulheres.
Descreva, resumidamente, a importância acadêmica e social de sua pesquisa, isto é, sua contribuição para o universo científico e o cotidiano das pessoas.
Acredito que a tese trouxe muitas reflexões e sugeriu algumas recomendações, que podem ser ideias iniciais a serem aprimoradas para a construção do enfrentamento ao tráfico de mulheres para fins de exploração sexual, a partir de uma perspectiva de direitos, especialmente nos modelos brasileiro e espanhol, rompendo com o modelo da criminalização e securitização dos Estados. As mulheres vítimas de tráfico não podem esperar. A necessidade da continuidade e aprimoramento da construção de um regime protetivo é mais que urgente! Essa contribuição é importante e minha pretensão, enquanto acadêmica, sempre foi a de elaborar um documento que possa ultrapassar os ‘muros’ da universidade e apontar caminhos para a prática e para a mudança social! Sinto que somente assim, com o trabalho e o esforço de construir este documento, a partir do meu olhar, mas da prática de muitos atores, poderemos mudar a realidade do enfrentamento ao tráfico de pessoas.
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