Pesquisadora da UFABC cria teste de alta confiabilidade e baixo custo para o novo coronavirus
Nos últimos dias, a UFABC iniciou as testagens para o novo Coronavirus em membros de sua comunidade universitária que necessitem comparecer aos campi durante a pandemia e o período de suspensão das atividades presencias da instituição. O modelo de teste para detecção de casos de coronavírus utilizado pela UFABC foi desenvolvido por pesquisadores da própria Universidade, sob coordenação da professora Márcia Sperança, e traz aspectos inovadores em sua forma de coleta, de análise e nos custos operacionais envolvidos.
Desde o início da pandemia do novo coronavírus, a testagem em massa é reconhecida como um dos principais métodos para contenção e controle da propagação do SARS-CoV-2 (nome científico) em todo o mundo. Ciente disso, da escassez de testes e de alternativas de baixo custo no cenário brasileiro, a professora Márcia Sperança iniciou, ainda em 2020, estudos científicos no sentido de desenvolver uma opção de testagem qualificada, por meio de análise RT-PCR (reação da transcriptase reversa, seguida de reação em cadeia da polimerase), que priorizasse a utilização de reagentes nacionais e possibilitasse a simplificação dos métodos de coleta.
Dentre os tipos de testes para detecção do novo coronavírus existentes, a metodologia RT-PCR é a de eficácia mais reconhecida, considerada padrão-ouro pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Trata-se de uma técnica de biologia molecular que transforma o RNA do vírus em DNA e o amplifica, possibilitando detectar se na amostra coletada há material genético do SARS-CoV-2. A existência e identificação de material genético do vírus na amostra revela que, no momento exato da coleta, o indivíduo testado tinha o novo coronavírus presente em seu organismo.
Usualmente, as amostras utilizadas para detecção do novo coronavírus pelo método de RT-PCR são coletadas via swab (cotonete longo), que é aplicado na região nasal e orofaríngea, causando certo desconforto ao indivíduo testado e dificultando a possibilidade de coleta autônoma das amostras. Além disso, para a coleta desse tipo de amostra é imprescindível a presença de um profissional da saúde capacitado, que durante o processo de coleta corre risco de se contaminar. Visando buscar uma alternativa para esse método de coleta via swab e considerando que uma das principais formas de propagação do novo coronavírus ocorre por meio do contato de um indivíduo com gotículas de saliva, o que indica que, em pessoas contaminadas, geralmente há a presença de vírus nesse tipo de secreção, a professora Márcia Sperança conduziu uma pesquisa para o desenvolvimento de um kit de testagem RT-PCR Salivar, por meio de uma técnica que permitisse a autocoleta de amostras.
A concepção do teste da UFABC baseou-se em rígidos critérios e padrões de segurança e de saúde pública estabelecidos por organizações internacionais como a OMS e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC). Para garantir a máxima segurança do teste, tanto para os indivíduos que realizam a autocoleta da amostra salivar, quanto para os pesquisadores que conduzem a análise dos materiais coletados em laboratório, identificou-se que o mais adequado seria condensar a amostra de saliva em um algodão hidrofílico esterilizado, com alta capacidade de absorção da secreção líquida e sem riscos de comprometer a qualidade da amostra. Outro procedimento de segurança adotado foi o de armazenar o pedaço de algodão embebido de saliva em um tubo de ensaio seco para coleta à vácuo. Esse cuidado garante que os pesquisadores não precisem ter nenhum contato direto com a amostra para analisarem o material.
Ao pontuar detalhes sobre a concepção e validação dos testes criados na UFABC, Sperança relatou que a prioridade do grupo de pesquisadores foi “reduzir substancialmente os custos da testagem, possibilitar a realização de autocoleta simplificada e em larga escala e, o primordial, garantir a confiabilidade dos resultados”.
Antes de iniciar oficialmente a utilização dos testes junto aos membros da comunidade universitária que necessitem frequentar os campi durante a pandemia, a técnica criada pela pesquisadora passou por etapas cruciais de validação científica e metodológica. Uma cooperação firmada com o Laboratório de Análises Clínicas do Centro Universitário Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), coordenado pelo Dr. Fernando Luiz Affonso Fonseca e credenciado pelo Instituto Adolfo Lutz, permitiu a comprovação da eficácia do teste por meio de aplicação prévia em 100 amostras sabidamente positivas e pela técnica de estudo comparado, aplicada in loco, por meio de análises autorizadas de outras 100 amostras de pessoas testadas aleatoriamente, no laboratório da FMABC.
Os resultados das etapas de validação concluíram que o método de testagem desenvolvido na UFABC apresentou 97% de concordância com o método utilizado no laboratório de referência para o diagnóstico de SARS-CoV-2 da FMABC, demonstrando ser apropriado para uso em larga escala e gestão da pandemia.
Em estudo comparativo realizado com 100 amostras aleatórias obtidas de indivíduos que se apresentaram no laboratório de análises clínicas da FMABC, 90 testes analisados tanto pela FMABC como pela UFABC foram identificados como negativos. Dentre os dez restantes, oito deles foram classificados por ambas as instituições como positivos, um foi classificado como positivo pela FMABC (falso negativo pela UFABC) e um foi classificado como positivo pela UFABC (falso negativo pela FMABC).
Em relação ao critério de especificidade, os métodos de validação aplicados em parceria com a FMABC indicaram que o teste criado na UFABC é 100% específico, ou seja, quando alguma amostra é classificada como positiva (indicando detecção do novo coronavírus na saliva analisada), a possibilidade de classificação do teste como um “falso positivo” é praticamente nula.
De acordo com Sperança, “a técnica de análise que utilizamos na UFABC, a chamada RT-PCR em tempo real, nos permite investigar as amostras com marcadores de dupla checagem. Sabemos que se a carga viral do organismo analisado for muito baixa, a qualidade da amostra salivar pode ser ligeiramente inferior à nasal e é possível, eventualmente, lidarmos com resultados falsos negativos. Contudo, essa dupla checagem e a tecnologia dos equipamentos laboratoriais da UFABC, que permite a utilização das sondas marcadas com corantes fluorescentes, nos asseguram sobre a impossibilidade de gerarmos resultados falsos positivos”.
Em relação aos insumos que compõem o kit, todos são produzidos e adquiridos no Brasil e devidamente aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “A aquisição de produtos nacionais nos possibilitou montar kits de testagens com preços abaixo do mercado”, afirma Sperança. Além disso, o conhecimento científico acumulado possibilitou que o principal reagente de análise das amostras fosse produzido, de ponta a ponta, na UFABC. Essa prática possibilitou a redução de aproximadamente 80% dos custos de análise laboratorial. O custo final do teste, incluindo insumos para montagem dos kits e para análise das amostras é de cerca de R$ 20,00. No mercado tradicional, um teste com essas mesmas características teria um custo aproximado de R$ 75,00 a R$ 80,00.
O kit de testagem da UFABC é composto pelos seguintes itens: um tubo para coleta, algodão esterilizado e armazenado numa pequena embalagem plástica, uma luva plástica descartável, dois lenços com álcool 70%, um envelope novo e um questionário. Assista ao vídeo que explica detalhadamente como a autocoleta é realizada.
Segundo Sperança, “caso houvesse condições de promover parcerias com laboratórios especializados e garantir mais recursos operacionais, esse modelo de testagem poderia ser ampliado e aplicado em diversas outras esferas da sociedade, inclusive em escolas de ensino infantil, devido à técnica simplificada e indolor de coleta de amostra”.
Diante da validação dos métodos científicos, das facilidades de operação por meio de autocoleta e das condições de custos apresentadas, o kit de testagem RT-PCR Salivar desenvolvido por pesquisadores da UFABC passou a ser considerado como ferramenta estratégica para a gestão da pandemia no âmbito da Universidade.
Entretanto, diferentemente da FMABC, as características institucionais da UFABC não permitem que a Universidade atue como um centro de diagnósticos. Dessa forma, todos os resultados coletados e analisados nas dependências laboratoriais da UFABC, para fins de mapeamento epidemiológico institucional, passam pela certificação da FMABC, que é responsável por emitir e assinar laudos de membros da comunidade da UFABC cujos testes, eventualmente, sejam positivos para o novo coronavírus.
A aplicação do teste desenvolvido por pesquisadores da UFABC para a gestão de assintomáticos positivos está prevista no Plano de Retomada Gradual das Atividades Presenciais da UFABC, é conduzida pelo Núcleo de Monitoramento e Testagens da instituição e compõe o rol de procedimentos de gestão epidemiológica da pandemia no âmbito da Universidade.
Errata: Diferente do informado anteriormente, o teste desenvolvido pela Universidade Federal do ABC (UFABC) realiza a detecção da presença do novo coronavírus (SARS-CoV-2) e não a detecção da Covid-19. Conteúdo atualizado em 15/07/2021.
Assessoria de Comunicação e Imprensa
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