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Página inicial > Divulgação Científica > PesquisABC > Edição nº 35 - Setembro de 2023 > Ciência cidadã proporcionando a educação científica em escolas
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Ciência cidadã proporcionando a educação científica em escolas

O que é ciência cidadã?

A ciência cidadã pode ser definida como um processo de parceria entre cientistas e pessoas interessadas em ciência (denominada(o)s cientistas cidadã(o)s), para a resolução de problemas que apresentem, por exemplo, relevância social e/ou ambiental. Além de promover a geração de novos e genuínos conhecimentos científicos, a ciência cidadã pode proporcionar aprendizagens para os participantes, como novos conhecimentos, novas habilidades, interesse e motivação pela ciência, desenvolvimento de comportamentos e atitudes pró-ambientais, entre outros.

Essas parcerias têm o potencial de ampliar a escala (espacial e/ou temporal) de abrangência de estudos que apresentem questões científicas amplas e que exijam a coleta de dados em diferentes locais e intervalos de tempo, o que seria difícil ou impossível para os cientistas realizarem sozinhos.

Os dados e resultados gerados pelo processo de ciência cidadã devem ser disponibilizados em formato aberto, uma vez que a ciência cidadã faz parte do movimento da ciência aberta. Pode-se desenvolver ciência cidadã em diferentes áreas de conhecimento científico, como física, química, história, entre outras, e, portanto, a ciência cidadã não é restrita aos estudos ambientais e não necessariamente tem como objetivo a educação.

Porém, quando associada a processos de educação, há um amplo potencial para a promoção da alfabetização científica nos participantes, os quais são envolvidos no fazer científico. Consideramos que há diferentes tipos de ciência cidadã, conforme definido, por exemplo, por Jennifer Shirk e colaboradores em um trabalho publicado em 2012:

  1. nos projetos contributivos, os cientistas cidadãos apenas coletam dados e os enviam para que os cientistas analisem e publiquem resultados relacionados a uma questão de investigação de interesse dos cientistas;
  2. nos projetos colaborativos, os cientistas cidadãos também podem participar do delineamento do estudo, mas principalmente participam da análise de dados e disseminação dos resultados obtidos; e
  3. nos projetos co-criados, os cientistas cidadãos participam em praticamente todas as etapas da pesquisa, como a formulação da pergunta, delineamento, coleta e análise de dados, disseminação dos resultados e tomada de decisões.

Há um grande potencial para que a participação em iniciativas de ciência cidadã leve a mudanças em padrões de comportamento, tomada de decisões embasadas em conhecimentos científicos e ao ativismo, ou seja, ao que chamamos de cidadania científica.

O grupo de pesquisa em ciência cidadã da UFABC

Iniciado em 2014, o “Grupo de pesquisa em ciência cidadã e conservação ambiental da UFABC” (cadastrado no CNPq) [1] tem o objetivo de pesquisar sobre o processo de ciência cidadã voltado para a educação científica, a conservação ambiental e o levantamento de padrões de biodiversidade. Até o momento, o grupo vem formando pesquisadores de graduação (12 trabalhos concluídos), mestrado (3 concluídos e 4 em andamento), doutorado (1 em andamento) e supervisionados (5 concluídos e 4 em andamento).

Os projetos de mestrado e doutorado estão vinculados aos programas de Pós-Graduação em Evolução e Diversidade e de PósGraduação em Ensino e História das Ciências e da Matemática da UFABC. Já os trabalhos supervisionados são ligados ao Programa de Capacitação Institucional do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA). Resultados obtidos por alguns projetos de pesquisa do grupo Serão relatados aqui três projetos de mestrado que estão em andamento pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino e História das Ciências e da Matemática da UFABC e que evidenciam as aprendizagens que podem ser proporcionadas por processos de ciência cidadã escolar.

Projeto um: Investigando a biodiversidade do jardim da escola

O primeiro deles, intitulado “Investigando a biodiversidade do jardim da escola”, tem o objetivo de estimular que os estudantes sejam capazes de compreender os conceitos de biodiversidade, ciência e ciência cidadã; de elaborar perguntas científicas para a investigação da biodiversidade escolar; de desenvolver estratégias de investigação e de divulgar os resultados da pesquisa.

O projeto, do tipo co-criado, baseou-se na aplicação de uma Sequência de Ensino por Investigação (SEI) com 96 estudantes do ensino fundamental em uma escola municipal do ABC paulista (Figura 1). Dividido em 13 etapas, a SEI [2] se baseou na formulação, pelos próprios estudantes, de questões de pesquisa sobre a biodiversidade do jardim da escola.

A avaliação das aprendizagens foi baseada nos indicadores de aprendizagem propostos por Phillips e colaboradores (2018), a saber: interesse na ciência, conhecimento científico e habilidades de investigação.

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Figura 1. (a) e (b) Estudantes investigando a biodiversidade do jardim da escola a partir das questões de pesquisa elaboradas por
eles próprios. Fotos: Janaína Dutra Gonzalez.

Observou-se que não houve aumento no interesse dos estudantes em ciência, porém houve crescimento significativo na compreensão dos conceitos de biodiversidade e ciência cidadã (de 2,1% para 92,7% e de 6,2% para 79,2%, respectivamente).

Das questões de pesquisa elaboradas pelos estudantes, 67,2% eram produtivas e passíveis de serem respondidas por meio de investigação científica, das quais 79,3% eram compatíveis com a proposta do projeto de investigação da biodiversidade do jardim da escola no tempo disponível. Foram investigadas 21 questões, cujos resultados foram divulgados para a comunidade escolar, publicados no eBook “Conhecendo a Biodiversidade do jardim da EMEF Dom Benedito: Um projeto de Ciência Cidadã co-criado em escola” [3] e registrados na plataforma iNaturalist [4].

Projeto dois: O ensino do ciclo de vida das Angiospermas na educação básica através da ciência cidadã

O segundo projeto aqui apresentado é intitulado “O ensino do ciclo de vida das Angiospermas na educação básica através da ciência cidadã” (Figura 2), que objetivou incentivar a compreensão científica, a motivação para ciência, a mudança de atitudes em relação às plantas e as habilidades de investigação por meio da observação fenológica do ciclo de vida das angiospermas.

Para isso, foi aplicado um protocolo de ciência cidadã colaborativo em uma SEI sobre o ciclo de vida das angiospermas, para três turmas do ensino médio. O protocolo, dividido em oito etapas, incluiu a formulação de hipóteses, aulas expositivas, observações de árvores, submissão de dados na plataforma Anecdata [5], análise e interpretação de dados e produção textual.

A análise das produções dos estudantes revelou que a maioria entendeu o ciclo de vida das angiospermas, com metade conseguindo estabelecer corretamente a relação entre polinização e frutificação. O projeto incentivou 30% dos estudantes a observar frequentemente as plantas e 23% a estudar mais sobre elas.

Os estudantes sentem-se capazes de contribuir com projetos científicos (média 7/10) e 28% têm interesse em seguir uma carreira científica. Os dados coletados pelos estudantes apresentaram uma média de acurácia (concordância com o dado coletado pelo professor) e precisão (concordância entre os resultados dos estudantes) em torno de 70%, indicando alta qualidade dos dados coletados pelos estudantes.

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Figura 2. Estudantes realizando atividades da SEI sobre o ciclo de vida das angiospermas. (a) Realizando observações fenológicas e (b) Montando um painel sobre o ciclo de vida. Fotos: Gustavo Bellini Monteiro.

Projeto três: Educação Alimentar Sustentável no Espaço Escolar: desafios e possibilidades por meio da Ciência Cidadã

Finalmente, o terceiro projeto apresentado neste texto é intitulado “Educação Alimentar Sustentável no Espaço Escolar: desafios e possibilidades por meio da Ciência Cidadã”. Este trabalho teve como objetivos:

i) diminuir o desperdício de alimentos no espaço escolar e

ii) desenvolver conhecimentos conceituais e atitudinais sobre educação alimentar sustentável.

Para isso, foi aplicada uma SEI destinada a 153 estudantes do 5º ano do Ensino Fundamental, de 10 escolas públicas, de diferentes regiões do município de São Bernardo do Campo, sobre a temática “desperdício de alimentos”.

A SEI foi composta de 6 etapas, que consistiram basicamente em:

  1. pesagem dos alimentos desperdiçados por 15 dias;
  2. aplicação de um questionário prévio;
  3. aulas teóricas sobre as temáticas do desperdício, sustentabilidade, consumo consciente, entre outros;
  4. análise dos dados da pesagem, envolvendo cálculos sobre os recursos naturais desperdiçados;
  5. nova pesagem para verificar a ocorrência do desperdício após a participação na SEI;
  6. aplicação do questionário final, em que pôde-se verificar possíveis mudanças de concepção dos estudantes.

A SEI promoveu o contato com a problemática em questão, com coleta de dados, levantamento de hipóteses, análise de dados coletados, teste de hipóteses e aplicação dos saberes científicos construídos (Figura 3).

Os resultados demonstraram uma redução de 70,4% no desperdício de alimentos e aumento na média diária de alunos que se alimentam na escola em 50% das instituições após a sequência didática.

Após a sequência, 90% dos estudantes ainda percebiam a ocorrência de desperdício, mesmo reduzido. A quantidade média de desperdício de alimentos por aluno reduziu após a participação dos mesmos na sequência didática (de 127,3 g / aluno para 33,2 g / aluno).

A percepção de que o desperdício causa impacto ao meio ambiente também mudou: inicialmente, 4 estudantes identificavam problemas ambientais decorrentes do desperdício de alimentos; ao final, o número subiu para 41.

Além disso, após a participação foi possível perceber que os sentimentos predominantes como tristeza e raiva diminuíram de 84% para 62%, havendo aumento da percepção e nomeação do fenômeno do desperdício em si associado ao sentimento de dó (de 27,8% para 46,9%), resultado possivelmente decorrente do entendimento de que o ato do desperdício pode ser evitado a partir de mudanças no comportamento.

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Figura 3. (a) Etapa teórica da SEI “Educação Alimentar Sustentável no Espaço Escolar” e (b) Etapa prática de pesagem de desperdício de alimentos. Fotos: Jussara Almeida Bezerra.

Os estudos aqui apresentados, referentes aos três projetos, evidenciam que os processos de ciência cidadã escolar propostos e pesquisados contribuíram para a ampliação de saberes científicos e sensibilização dos estudantes para questões ambientais.

Referências

SHIRK, Jennifer L. et al. (2012) Public Participation in Scientific Research: a Framework for Deliberate Design. Ecology and Society,17(2): 29-48. DOI: 10.5751/ES-04705-170229

PHILLIPS, Tina et al. (2018) A Framework for Articulating and Measuring Individual Learning Outcomes from Participation in Citizen Science. Citizen Science: Theory and Practice, 3(2): 3. DOI: https://doi.org/10.5334/cstp.126

[1] dgp.cnpq.br/dgp/ espelhogrupo/5337343122897858

[2] https://doi.org/10.5281/zenodo.8132944

[3] https://www.livrosdigitais.org.br/ livro/2123787WF21Q5QT

[4] https://www.inaturalist.org/projects/ biodiversidade-do-jardim-da-emef-dom-benedito

[5] https://www.anecdata.org/projects/view/1061

Autoras

Natalia Pirani Ghilardi-Lopes
Professora Doutora vinculada ao Centro de Ciências Naturais e Humanas (CCNH) da Universidade Federal do ABC
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Janaína Dutra Gonzalez
Mestranda em Ensino de Ciências pela Universidade Federal do ABC
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Jussara Almeida Bezerra
Mestranda em Ensino de Ciências pela Universidade Federal do ABC
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Autor

Gustavo Bellini Monteiro
Mestrando em Ensino de Ciências pela Universidade Federal do ABC
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Registrado em: Edição nº 35 - Setembro de 2023
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