Movimentação animal: combinando memória espacial e dinâmica populacional
Introdução
A movimentação animal desempenha um papel crucial na ecologia e na conservação da biodiversidade. Compreender os fatores que influenciam a movimentação dos indivíduos é fundamental para prever e gerenciar o desenvolvimento de estratégias de manejo e conservação de espécies. Nesse sentido, este trabalho apresenta estratégias interdisciplinares para explorar a interação entre a memória dos indivíduos e as diferentes dinâmicas de crescimento populacional, a fim de obter uma compreensão mais abrangente da movimentação animal.
A movimentação animal recebe ampla atenção em diversas áreas das ciências. No entanto, muitas vezes, a pesquisa é restrita a disciplinas isoladas que se concentram em fenômenos individuais, como navegação, estratégias de busca ou considerações teóricas sobre a distribuição ideal da população [Fordham, 2014]. Este trabalho condensa pesquisas recentes que usam fundamentos da física, matemática e computação para avaliar efeitos da movimentação individual no uso do ambiente pela população.
A exploração de habitat por animais é melhor compreendida quando se consideram as mudanças na paisagem, devido a processos naturais ou antropogênicos, e as estratégias de movimento dos indivíduos. Vários instrumentos são utilizados por pesquisadores para compreender os comportamentos em nível populacional e sua conexão com a dinâmica da paisagem, visando, por exemplo, programas de conservação e avaliação das mudanças de padrões migratórios devido a processos de urbanização.
Estudos recentes sugerem que a heterogeneidade espacial e a previsibilidade temporal dos recursos são fatores que contribuem para definir os padrões de estratégias de movimento [Mueller, 2008], como o sedentarismo (ou seja, residência em uma área pequena comparada a todo habitat), a migração e o nomadismo. Neste trabalho, são apresentados estudos computacionais [Berbert, 2012] e matemáticos [Berbert, 2018; Oliveira, 2020a; Oliveira, 2020b] que mostram que a dependência da memória espacial e da dinâmica de crescimento populacional são outros parâmetros importantes para a distinção entre esses padrões. Por exemplo, animais migratórios possuem uma memória longa das áreas que preferem revisitar, enquanto animais nômades têm memória curta das áreas recém-visitadas como locais a serem evitados.
Compreender padrões de movimento e uso do espaço e a importância da memória espacial e da dinâmica populacional contribuem para o desenvolvimento de estratégias de manejo e conservação mais eficazes, em face de mudanças ambientais como a degradação do habitat e as alterações climáticas.
O restante deste artigo está organizado como segue: na Seção 2, encontra-se o modelo computacional e resultados Na Seção 3, a abordagem matemática e resultados numéricos. Na Seção 4, encontra-se a discussão e conclusão.
Modelo baseado em indivíduos e resultados computacionais
De acordo com as propostas [Mueller, 2008], em relação ao movimento animal e à dinâmica da paisagem, é sugerido que a confiança dos animais em sua memória espacial também influencia os padrões de uso do espaço em nível populacional. O modelo em Berbert (2012) fornece suporte para avaliar essa relação. Os pesquisadores analisaram duas estratégias de exploração:
- trabalho, baseada em memória de curta duração, e
- referência, baseada em memória de longa duração.
Foram observadas trajetórias complexas resultantes dessas estratégias. Foram também identificadas trajetórias bem-sucedidas e outras pouco eficientes, quando consideramos como objetivo da trajetória encontrar um lugar específico no habitat disponível. Isso resultou em um diagrama de padrões ecológicos de movimento animal, mostrado na Figura 1, no qual a persistência da paisagem se refere a quanto ela permanece a mesma durante todo o tempo considerado, e a memória crítica de trabalho é um dos parâmetros avaliados no modelo.
Figura 1. Padrões de movimento em nível populacional são influenciados pela persistência da paisagem e memória crítica. Em paisagens persistentes, ocorre o sedentarismo, por exemplo coyotes. Paisagens altamente persistentes e/ou grande memória crítica facilitam a migração (ex: zebras). Em paisagens com baixa persistência, ocorre o nomadismo, como por exemplo as gazelas da Mongólia. Fonte: Elaborado pela autora
No diagrama, foram delimitadas as regiões para sedentarismo, migração e nomadismo como funções da persistência da paisagem e da memória de trabalho. O sedentarismo ocorre em paisagens altamente persistentes e com memória de trabalho curta, restringindo os movimentos dos indivíduos a áreas pequenas. A migração ocorre em paisagens onde os indivíduos têm acesso a todo o espaço e podem explorá-lo de forma eficiente. O nomadismo ocorre em paisagens onde os indivíduos podem explorar todo o espaço, mas seu comportamento de busca é ineficiente para encontrar um lugar específico.
Esta é uma abordagem na qual se considera a decisão de movimentação feita por cada indivíduo. Para uma abordagem populacional, ou seja, para avaliar como a população se redistribui pelo habitat, uma abordagem matemática é necessária, como é apresentado a seguir.
Modelo matemático e resultados numéricos
Considere uma população animal que explora o ambiente movendo-se para locais ricos em recursos, evitando lugares com recursos esgotados. O objetivo de cada animal é encontrar o recurso, minimizando o gasto de energia e maximizando a eficiência na busca. Para economizar energia, o animal vai a locais próximos e, para aumentar a eficiência na localização do recurso, prefere lugares onde os recursos são mais abundantes, ou seja, aqueles que ainda não foram visitados (e os recursos consumidos!). Dessa forma, o animal precisa
• localizar áreas próximas e
• evitar lugares os quais eles se lembram de terem visitado.
Para o primeiro ponto, consideramos uma estratégia baseada em movimentação localizada. Para o segundo, consideramos uma estratégia baseada na memória.
Assim, foi definido um sistema de equações acopladas [Oliveira, 2020a e 2020b], esquematizada na figura 2, com uma equação de reação-difusão-advecção, cuja parte reativa representa o crescimento populacional, a parte difusiva representa a dispersão localizada e aleatória e a advecção (ou arrasto) é devida à memória. E outra equação para a dinâmica da memória.
As soluções numéricas revelam que a memória desempenha um papel importante no uso do espaço. À medida que a memória aumenta, ocorre um aumento na dispersão espacial. A taxa de crescimento também influencia o padrão de dispersão, com populações de crescimento rápido apresentando uma dispersão mais ampla do que aquelas com crescimento lento.
O alcance espacial alcançado pela população nos permite entender o uso do espaço de acordo com os parâmetros do modelo. Os resultados mostram que a memória é um fator que provoca alternância da dinâmica entre dois comportamentos de dispersão, como pode ser observado no espaço de parâmetros definido pela memória e taxa de crescimento, veja figura 3.
Figura 2. Esquema das equações acopladas para a dinâmica de reação-difusão-advecção. Fonte: Elaborado pela autora
Figura 3. Memória espacial como função do inverso da taxa de crescimento para crescimentos exponencial e logístico com K = 0,3 e K = 0,1. Fonte: Elaborado pela autora
Numa perspectiva biológica, para espécies com pequeno número de descendentes por período de reprodução, como alguns mamíferos, como o gnu ilustrado na Fig. 3, a memória desempenha um papel essencial na expansão da exploração do ambiente. Isso implica que populações com alta taxa de crescimento (como coelhos na Fig. 3) têm um comportamento de dispersão mais amplo do que uma população com baixa taxa de crescimento, que depende da contribuição da memória para expandir a exploração do espaço.
Discussão e conclusão
A movimentação animal envolve a exploração do espaço em busca de recursos, parceiros reprodutivos, abrigos e para evitar predadores. Diversos fatores influenciam as decisões de movimento, incluindo mecanismos de navegação, formas de locomoção, dinâmica da paisagem, dinâmica populacional e memória espacial dos indivíduos. A memória permite que os animais se lembrem de locais previamente visitados, influenciando suas decisões de movimento. Este artigo discute brevemente estudos que consideram a memória espacial e a dinâmica populacional na movimentação animal.
Compreender como as taxas de crescimento da população afetam os padrões de uso do espaço é essencial para a ecologia do movimento. Uma abordagem integrada que considera mecanismos de navegação e dinâmica populacional demonstra como as dinâmicas populacionais influenciam a disponibilidade de recursos, impactando diretamente nos padrões de movimento e uso do ambiente. Estudos computacionais e matemáticos, neste contexto, mostram os efeitos em padrões de movimentação.
Em conclusão, este estudo enfatiza a importância de uma abordagem interdisciplinar com consideração simultânea da memória dos indivíduos e das dinâmicas de crescimento populacional na compreensão da movimentação animal. Ao considerar a influência desses fatores, obtemos uma visão ampla dos processos subjacentes à movimentação animal e suas implicações para a ecologia e a conservação.
Referências
D.A. Fordham, K.T. Shoemaker, N.H. Schumaker, H.R. Akcakaya, N. Clisby, B.W. Brook. 2014. Biology Letters 10: 5.
Mueller, T. and W.F. Fagan, 2008. Oikos 117: 654- 664.
Fagan, WF, M A Lewis, M Auger-Méthé, T Avgar, S Benhamou, G Breed, L LaDage, U Schlägel, W Tang, Y Papastamatiou, J Forester, and T Mueller. 2013. Ecology Letters. 16: 1316-1329.
Berbert, J.M., and W.F. Fagan. 2012. Ecological Complexity. 12: 1-12.
Berbert, J.M., and M.A. Lewis. 2018. Ecological Complexity. 33: 41-48.
Oliveira, K.A. and J.M. Berbert. 2020a. Mathematical Biosciences, 324,108346.
Oliveira, K.A. and J.M. Berbert. 2020b. Indian Academy of Sciences Conference Series, 3,1.
Autora
Juliana M. Berbert
Professora vinculada ao Centro de Matemática, Computação e Cognição (CMCC) da Universidade Federal do ABC (UFABC)
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