O Papel dos Projetos de Extensão no Ingresso de Jovens Mulheres na Ciência
Ana Carolina Martinho Silva (*), Profa. Dra. Mariana Moraes de Oliveira Sombrio
Graduanda da Licenciatura em Ciências Naturais e Exatas (UFABC)
Professora Adjunta do Centro de Ciências Naturais e Humanas (orientadora) (UFABC)
Resumo: Este trabalho propôs realizar um levantamento de informações acerca de projetos de extensão voltados a meninas em idade escolar, desenvolvidos com o objetivo de incentivar o ingresso dessas jovens nas mais diversas áreas científicas e de desconstruir estereótipos de gênero nas ciências. Foram realizados estudos bibliográficos acerca da importância das mulheres na ciência ao longo da história, de suas contribuições para a construção do conhecimento científico e das relações do movimento feminista com esse processo. Na pesquisa exploratória realizada entre alunas da Educação Básica, em escolas da região do ABC, procurou-se mapear o alcance desses projetos e o impacto dos estereótipos de gênero nas ciências por meio da aplicação de questionários, a fim de compreender quais aspectos influenciam ou não a participação dessas jovens em projetos desse caráter e, posteriormente, em uma possível escolha profissional atrelada à carreira científica, ou de atuação em alguma das áreas que contempla as ciências naturais e exatas e suas tecnologias. Os achados iniciais indicam profundas discrepâncias entre escolas da rede pública e privada e apontam para uma necessidade de se investir mais na elaboração, divulgação e consolidação de projetos de extensão ou iniciativas desse caráter na região abordada.
Palavras-chave: Mulheres na ciência, projetos de extensão, educação básica.
Abstract: This project proposed to collect information about extension projects aimed at school-age girls, developed with the aim of encouraging these young women to enter the most diverse scientific areas and deconstruct gender stereotypes in science. Bibliographic studies were carried out on the importance of women in science throughout history, their contributions to the construction of scientific knowledge and the relationships between the feminist movement and this process. In the exploratory research carried out among Basic Education students, in schools in the ABC region, we sought to map the scope of these projects and the impact of gender stereotypes in science through the application of questionnaires, in order to understand which aspects influence or not the participation of these young women in projects of this nature and, subsequently, in a possible professional choice linked to a scientific career, or work in one of the areas that includes natural and exact sciences and their technologies. Initial findings indicate profound discrepancies between public and private schools and point to a need to invest more in the development, dissemination and consolidation of extension projects or initiatives of this nature in the region covered.
Keywords: Women in Science, Extension Projects, Basic Education.
A Sub-representação das Mulheres e os Projetos de Extensão
Ao longo dos séculos, as mulheres enfrentaram preconceitos e restrições em diversos campos da sociedade, incluindo na ciência. Apesar dos nomes famosos na história da ciência, como Arquimedes, Pitágoras e Isaac Newton, muitas mulheres notáveis, como Marie Winkelmann Kirch, Émilie du Chatelet e Katherine Johnson, permaneceram relativamente desconhecidas. A invisibilidade das contribuições femininas nas ciências resultou no apagamento do protagonismo das mulheres e afetou seu interesse em ingressar no meio científico. No entanto, nas últimas décadas, o cenário tem mudado significativamente, impulsionado pelo Movimento Feminista, que busca a igualdade de gênero e o reconhecimento dos direitos das mulheres. Este movimento não beneficia apenas as mulheres, mas toda a sociedade, desafiando estereótipos de gênero prejudiciais que afetam homens e mulheres.
A obra "Sejamos Todos Feministas", de Chimamanda Ngozi Adichie, é destacada por sua análise profunda das questões de gênero e pela defesa da igualdade entre homens e mulheres. Adichie argumenta que a busca pela igualdade de gênero é essencial para liberar as pessoas das restrições impostas pelos estereótipos de gênero, permitindo que cada indivíduo viva de acordo com sua verdadeira essência.
A sub-representação das mulheres nas carreiras científicas tem sido um tema de grande destaque e debate nas últimas décadas. Apesar dos avanços em direção à igualdade de gênero em diversas áreas da sociedade, as mulheres ainda enfrentam barreiras significativas ao buscar ingressar e se manter em campos relacionados à ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM, na sigla em inglês). Esta sub-representação não é um reflexo do desinteresse das mulheres pela ciência, mas, sim, resultado de uma complexa interação de fatores sociais, culturais e estruturais que limitam o acesso e a progressão das mulheres nessas carreiras.
Projetos de extensão dedicados a promover a participação de mulheres na ciência desempenham um papel crucial na quebra de barreiras históricas de gênero no campo científico. Essas iniciativas buscam inspirar jovens do sexo feminino a explorar carreiras em STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) e proporcionar oportunidades tangíveis para seu desenvolvimento científico.
Nos últimos anos, observamos o surgimento de diversos projetos voltados para essa causa, com exemplos notáveis que merecem destaque. Um deles é o "Menina Ciência - Ciência Menina" , realizado na Universidade Federal do ABC (UFABC). Esse projeto visa ampliar o horizonte de meninas do ensino fundamental, apresentando o papel inspirador de mulheres cientistas em diversas áreas. Ao fazê-lo, desafia estereótipos de gênero e demonstra que a ciência é um campo acessível e promissor para todas as jovens.
Outro exemplo é o projeto "Astrominas", desenvolvido na Universidade de São Paulo (USP). Concentrado na astronomia, o Astrominas incentiva meninas e jovens mulheres a explorar a pesquisa espacial e a astronomia, em que as mulheres são historicamente sub-representadas. Isso não apenas oferece oportunidades educacionais, mas também ajuda a reverter a falta de representatividade feminina em áreas específicas da ciência.
Talvez, o aspecto mais importante seja a contribuição para a redução das desigualdades de gênero no campo científico. Ao criar oportunidades iguais para mulheres desde tenra idade, esses projetos ajudam a quebrar o ciclo de desigualdade que persiste por gerações. Eles incentivam as mulheres a desafiar estereótipos, explorar carreiras científicas e contribuir para a diversidade e inovação no campo científico. Além disso, eles nos lembram que a ciência é um esforço coletivo, e todos, independentemente de gênero, devem ter a oportunidade de participar plenamente desse esforço.
Os Dados
Segundo dados do Censo Escolar 2022 e o Censo da Educação Superior 2021, promovidos pelo Ministério da Educação, das 47.382.074 matrículas da educação básica, 23.405.178 (49,4%) são de mulheres. Na Educação Superior, as mulheres predominam entre os estudantes matriculados: dos 8.987.120, 58,1% (5.249.275) são mulheres. No entanto, esses números não são tão expressivos nos cursos voltados para as áreas de ciências, matemática e tecnologia, estando as mulheres ainda concentradas em cursos relacionados a áreas profissionais menos valorizadas economicamente, além de terem dificuldades em alcançar os níveis mais altos da carreira científica (Olinto, 2011).
De acordo com dados do Ministério da Educação do Brasil, 58,1% das matrículas na Educação Superior do país são de mulheres. No entanto, essa representação ainda é desigual em cursos de STEM, onde a presença feminina é significativamente menor. Globalmente, informações de organizações como a UNESCO revelam que as mulheres compõem aproximadamente 30% do corpo de pesquisadores. Contudo, essa proporção diminui consideravelmente em posições de liderança no mundo da pesquisa. Quando se trata de STEM, a participação feminina varia amplamente, sendo particularmente baixa em campos como Engenharia e Ciência da Computação. Além disso, uma análise de prêmios científicos renomados, como o Prêmio Nobel, mostra que apenas cerca de 3% dos laureados em Ciências são mulheres.
Iniciativas e políticas direcionadas à incentivar e consolidar o trabalho das mulheres na ciência, promovidos por meio de projetos de extensão como os citados, desempenham um papel fundamental na criação de um ambiente mais equitativo e inclusivo, onde todas as pessoas, independentemente do gênero, possam contribuir plenamente para o avanço do conhecimento científico e tecnológico.
Mas será que esses projetos possuem um alcance relevante?
Durante o período de setembro de 2022 à junho de 2023, sob vigência do Edital Nº 04/2022 do PIBIC-UFABC, foi realizado um levantamento de dados com alunas de escolas públicas municipais e estaduais de cidades do Grande ABC Paulista, buscando dados acerca do conhecimento dessas jovens sobre projetos de extensão e iniciativas voltados para meninas em idade escolar, que visam desconstruir estereótipos de gênero e incentivar o ingresso dessas jovens nas mais diversas áreas da ciência, além de suas possíveis contribuições para a construção do conhecimento científico e grandes descobertas da ciência. Outro objetivo era investigar o alcance desses projetos e o impacto dos estereótipos de gênero nas ciências, a fim de compreender quais aspectos influenciam ou não a participação dessas jovens em projetos desse caráter e, posteriormente, em uma carreira de pesquisa científica, ou de atuação em alguma das áreas que contempla as ciências naturais e exatas e suas tecnologias.
O levantamento foi realizado por meio de um formulário online, com questões abertas e de múltipla escolha e dividido em três seções: informações pessoais, com perguntas como idade, gênero, cidade em que reside e nível de escolarização; caracterização, com questões sobre a característica da instituição (pública e/ou privada), afinidade com as disciplinas de ciências naturais e exatas, presença de representações femininas nas aulas, predominância de mais professores ou professoras nas áreas abordadas e a influência disso na escolha de uma carreira profissional e/ou acadêmica no ramo; e questões sobre o conhecimento a respeito de projetos de extensão e pesquisa científica.
Figura 1. Captura de tela do formulário on-line.
Os Resultados
Foram obtidas 389 respostas durante o período de aplicação. Nos primeiros meses de aplicação, os dados gerados demonstraram um panorama positivo em relação aos objetivos da pesquisa, ou seja, o interesse no campo da ciência, matemática e tecnologia por parte das estudantes que contemplavam o público-alvo. No entanto, ao explorar outras instituições de ensino, em cidades diferentes da região do ABC Paulista, e com perfis diferentes, os resultados encontrados foram totalmente diferentes dos iniciais e tornaram mais aparentes diversas lacunas no ensino, formação de professores e, consequentemente, na visão criada sobre o Ensino Superior e suas possibilidades:
- 83,3% das estudantes possuem mais professoras nessas disciplinas do que professores;
- 50% das estudantes afirmam que seus professores buscam citar exemplos de mulheres que contribuíram para algum aspecto científico em suas aulas;
- 91,9% das estudantes desconhecem totalmente o que são projetos de extensão;
- 81,3% das estudantes nunca participaram de nenhum tipo de projeto;
- Apenas 18,7% das estudantes já participaram de algum tipo de projeto, não sabem dizer se ele era um projeto de extensão;
- Desse percentual de meninas que já participaram de algum tipo de projeto, apenas 7,3% afirmaram que esse projeto se relacionava com as áreas de Ciências Naturais, Exatas e suas Tecnologias;
- Não houve percentual relevante de alunas que conhecessem qualquer um dos projetos de extensão apresentados;
Como lidar com o cenário encontrado?
Os resultados desta pesquisa revelaram uma série de desafios importantes no contexto educacional, especialmente em relação ao interesse dos estudantes nas áreas de ciências, matemática e tecnologia. Inicialmente, os dados revelaram a presença de lacunas críticas no sistema educacional, na formação de professores e nas perspectivas dos alunos em relação ao ensino superior. Os principais problemas identificados abrangem a desigualdade de acesso à educação básica, desigualdades socioeconômicas, descompasso curricular e deficiências na formação continuada dos docentes.
O acesso desigual à educação básica se manifesta por meio da falta de infraestrutura escolar e capacitação dos docentes. A falta de motivação dos alunos devido à ausência de professores em disciplinas cruciais, como matemática, é uma preocupação expressa. Também há o indicativo do baixo nível de conhecimento sobre projetos de extensão e uma orientação escassa sobre o ensino superior.
Outro ponto indicado com os resultados da pesquisa é o baixíssimo conhecimento sobre os projetos de extensão e, consequentemente, a baixa participação nos mesmos. Isso sugere uma falta de familiaridade e compreensão sobre essas iniciativas que buscam conectar a universidade com a comunidade. Um exemplo aplicado dessa realidade é o próprio desconhecimento sobre a atuação de projetos de extensão na região da aplicação da pesquisa. Muitos alunos sequer sabiam da existência de instituições públicas de ensino superior nas redondezas, com exceção das alunas que frequentavam algum curso técnico, já que buscavam pesquisar algum curso de ingresso no ensino superior na área e, por essa razão, conheciam algumas instituições.
Torna-se urgente que sejam feitas iniciativas no sentido de produção, divulgação e conscientização sobre projetos de extensão, especialmente nas áreas de Ciências Naturais e Exatas, no intuito de despertar o interesse e a participação das mulheres em iniciativas acadêmicas e profissionais. Além disso, a continuidade do apoio e do incentivo dos professores, investimentos na formação docente ao longo de toda a carreira, tanto para homens quanto mulheres, pode desempenhar um papel importante na motivação dos estudantes a seguirem carreiras nestas áreas, valorizando a educação de forma geral.
Referências
1. Adichie, Chimamanda Ngozi. Sejamos Todos Feministas. Companhia das Letras, 2014.
2.Olinto, Gilda. A inclusão das mulheres nas carreiras de ciência e tecnologia no Brasil. Inclusão Social , v. 5, n. 1, 2011.
3. Schiebinger, Londa. “O feminismo mudou a ciência?”, EDUSC, Bauru, São Paulo, 2001.
4. Lopes, Maria Margaret; Souza, Lia; Sombrio, Mariana; “A construção da invisibilidade das mulheres nas ciências: a exemplaridade de Bertha Maria Júlia Lutz (1894-1976)”, Revista Gênero, em Revista Gênero, Volume 5, número 1, Niterói, 2O semestre, pp. 97-109, 2004.
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