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Aluna supera desafios e se torna 1ª mestra surda formada pela UFABC

Publicado: Segunda, 05 de Fevereiro de 2024, 16h21

No final de 2023, a UFABC alcançou mais um marco histórico. Karina Vaneska, autora da dissertação “Librateca: contribuições de uma plataforma virtual de registros da terminologia da Libras”, tornou-se a primeira surda formada no mestrado da Universidade. Karina conquistou o título de mestra no curso de Engenharia e Gestão da Inovação.

“Era um sonho estudar em uma federal. Com exceção de membros da família do meu pai, ninguém da minha família tinha passado em uma universidade pública e eu consegui. Tentei e consegui", afirmou Karina, em entrevista mediada por tradutora e intérprete de Libras (Língua brasileira de sinais).

Por meio do trabalho da aluna e outros colaboradores, a plataforma Librateca compilou termos técnicos em língua brasileira de sinais de várias áreas de conhecimento. O objetivo da plataforma é aprofundar e refinar dados sobre temas específicos, técnicos e científicos. Karina cita como exemplo o termo “acasalamento de baleia”, que se diferencia, na configuração de mão (vide fotos abaixo e vídeo), do equivalente no contexto humano (sexo) ou de outro genérico.

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A mestra Karina Vaneska apresentando os sinais em Libras: O primeiro sinal é utilizado para o acasalamento entre baleias. O segundo é utilizado para representar o sinal de sexo em Libras. O terceiro sinal é utilizado para outros contexto de acasalamento como entre cachorros, gatos, cavalos, etc.

 

“O diferencial desse trabalho é que, em uma plataforma, é possível acessar sinais de diferentes áreas. É como se fosse uma biblioteca de glossários”, declarou a mestra.

A professora Kate Kumada, orientadora de Vaneska, salienta que o feito da aluna é uma grande conquista para toda a comunidade surda. De acordo com a professora, a sua orientanda inaugurou uma história na universidade que reflete a possibilidade de estudantes surdos seguirem carreira acadêmica com o respeito de suas especificidades linguísticas, “considerando a Libras como sua primeira língua e, por essa razão, sua língua de instrução”.

“É muito gratificante saber que o meu esforço levou outros estudantes surdos a seguir adiante com suas carreiras acadêmicas. Torço muito para que haja mais acessibilidade e outras pessoas com esse perfil possam acessar a Universidade”, afirmou a mestra, em referência aos demais alunos surdos que entraram no mestrado depois dela.

Rigor e amparo

Karina sentiu todo o rigor da Universidade durante sua trajetória no mestrado. Processo de admissão em diversas etapas e aulas em inglês demandaram bastante empenho da então estudante. Durante o processo seletivo, ela fez a comprovação de domínio da língua inglesa com um certificado norte-americano, mais compatível com sua condição, que, diferentemente do apresentado por seus colegas, não avalia listening e speaking.

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A mestra Karina Vaneska e a docente orientadora Kate Kumada.

 

Os formulários de inscrição para os processos seletivos de pós-graduação incluem seções nas quais os candidatos e candidatas podem indicar se são pessoas com deficiência (PcD), especificando o tipo de deficiência. Eles têm também a oportunidade de descrever o suporte necessário para a realização das etapas do processo seletivo. Nessa tarefa, a Pró-reitoria de Pós-Graduação (PROPG) conta com o auxílio da Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários e Políticas Afirmativas (PROAP), que atendeu às solicitações de Karina sempre que necessário.

No comando da PROAP, a professora Claudia Regina Vieira diz que o aprimoramento dos serviços prestados à comunidade surda passa pela recomposição do quadro de tradutores e intérpretes. “Os estudantes surdos precisam continuar entrando na universidade, seja nos cursos de graduação, pós-graduação e até mesmo na extensão”, afirmou.

“Cabe a nós, enquanto instituição, tentar garantir que a permanência desses estudantes possa ocorrer de fato. A luta hoje é pela contratação de profissionais e por um orçamento que nos seja favorável para tal, pois a comunidade surda durante muitos anos lutou por esse lugar e ele deve ser assegurado”, disse Vieira.

A PROPG, por sua vez, festejou a obtenção do título de Karina. “É motivo de orgulho para nossa instituição”, disse o pró-reitor adjunto de Pós-Graduação, João Paulo Gois. “No entanto, temos consciência de que precisamos aprimorar as condições oferecidas aos nossos e nossas discentes PcDs”.

Em 2021, a PROPG aprovou a política de ações afirmativas de acesso e permanência nos cursos stricto sensu da UFABC. Dois anos depois, resolução do Consuni (Conselho Universitário) chancelou a política de permanência da pós-graduação. A pró-reitoria empenha-se ainda na luta pela criação de um Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) específico para a pós-graduação, visto que o PNAES atualmente atende exclusivamente aos discentes de graduação.

Desafios

A interação com os colegas ouvintes também é recordada como outro desafio do período. Nos trabalhos em grupo, os estudantes se reuniam em finais de semana ou em horários em que os serviços de tradutores e intérpretes da UFABC não estavam disponíveis “Nesses momentos, Karina precisava buscar estratégias por conta própria, tal como acionar colegas com um pouco de domínio em Libras para tentar fazer a mediação, escrever ou usar a leitura orofacial”, disse Kumada.

A professora considera a necessidade de Karina requerer a acessibilidade linguística o maior diferencial entre sua atuação e a de seus colegas ouvintes. Frequentemente ela solicitava a presença de intérpretes em atividades como apresentações do estudo em eventos, reuniões de orientação com a presença da co-orientadora (a Profa Dra Priscila Benitez), aulas, exames de qualificação e defesa.

“Diferentemente de Karina, estudantes ouvintes contam com a vantagem de poder concluir seus slides na véspera de qualquer evento, despreocupados da dependência do suporte de um terceiro para que sua apresentação ocorra. Ademais, apesar de Karina ter um ótimo domínio da língua portuguesa, é inevitável que sua escrita apresente, em alguns episódios, marcas da sua primeira língua, isto é, a Libras. Assim, o que era lido ou escrito precisava, muitas vezes, de um suporte diferenciado na revisão textual, algo que ia além de questões ortográficas ou de coesão, como ocorre habitualmente no texto de alunos ouvintes”, enfatizou Kumada.

Karina contatou a orientadora pela primeira vez durante congresso acadêmico na Unifesp de Guarulhos. Na ocasião, a professora conduzia uma mesa de trabalhos com o grupo de pesquisas que lidera, o SueLi (Surdos e Libras). A estudante então começou como bolsista em um projeto de pesquisa sob coordenação de Kumada e simultaneamente passou a discutir temas para o mestrado. Como a orientadora é professora de Libras na UFABC, a comunicação entre elas não foi um problema.

Agora recém-formada, ao final da entrevista, a mestra registrou seus agradecimentos à UFABC, reiterando a necessidade de aperfeiçoamentos das instituições públicas, inclusive da própria Universidade, em relação ao atendimento qualificado às pessoas surdas. Karina também manifestou interesse em conciliar a vida acadêmica com o mercado de trabalho – ela atua como professora de matemática em uma instituição filantrópica (Derdic-PUC-SP). “Meu coração diz que quero os dois, tanto seguir trabalhando como desenvolver mais a pesquisa ao ingressar em um doutorado. Mas sei que isso envolve muita disciplina”, afirmou.

Ela pretende ainda manter a colaboração com a orientadora, “seguindo com a divulgação da Librateca, que precisa ser mais acessada, e dentro de trabalhos futuros no grupo SueLi”.


Assessoria de Comunicação e Imprensa da UFABC

 

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