As Relações de Jovens Periféricos de São Paulo com Informações Científicas Sobre a Covid – 19 no Período Pandêmico
A Revista Eletrônica PesquisABC possui o seguinte registro ISSN: 2675-1461
Amanda Rodrigues Oliveira*, Tárcio Minto Fabrício**.
* ETEC Sapopemba – PIBIC/EM Universidade Federal do ABC
* Universidade Federal do ABC
Resumo: Esta investigação teve como objetivo identificar o interesse do público jovem de um bairro periférico da cidade de São Paulo sobre temas relacionados à Covid-19 durante a pandemia, bem como avaliar o papel dos meios de comunicação, especialmente digitais, e dos divulgadores científicos na circulação de informações científicas sobre a doença. Para tanto, seus dados foram coletados junto a estudantes da “Escola Técnica Estadual (ETEC) de Sapopemba”, localizada no município de São Paulo - SP, com a utilização de um questionário eletrônico. A pesquisa contou com 82 participantes. Em relação aos meios de comunicação onde os participantes buscavam informação, a Televisão foi preponderante. Entre as personagens lembradas como fontes de informação, Jornalistas e Apresentadores de TV, constituíram a maioria das respostas. A predominância da Televisão como principal veículo de informação entre esses jovens chama a atenção, uma vez que o grupo tem domínio e acesso à internet. Também chama atenção o fato de esses jovens buscarem informações especialmente no jornalismo profissional, atribuindo sua confiança nas fontes à credibilidade de tais profissionais ou, ainda, dos veículos aos quais eles estão inseridos, e à redundância de informações, o que revela um nível elevado de alfabetização midiática.
Palavras-chave: divulgação científica; covid-19; juventude.
Abstract: This investigation aimed to identify the interest of the young public in a peripheral neighborhood of the city of São Paulo in topics related to Covid-19 during the pandemic, as well as to evaluate the role of the media, especially digital, and scientific disseminators in the circulation of scientific information about the disease. To this end, data were collected from students at the “Escola Técnica Estadual (ETEC) de Sapopemba”, located in the city of São Paulo - SP, using an electronic questionnaire. The research had 82 participants. In relation to the means of communication where participants sought information, Television was predominant. Among the characters remembered as sources of information, Journalists and TV Presenters constituted the majority of responses. The predominance of Television as the main vehicle of information among these young people draws attention, because this group has mastery of digital tools and easy access to the internet. It also draws attention to the fact that these young people seek information especially in professional journalism, attributing their trust in the sources to the credibility of such professionals or even the vehicles they work for, and to the redundancy of information, which reveals a high level of media literacy.
Keywords: science communication; covid-19, youth.
ORCID ID:
*https://orcid.org/0009-0000-2261-3113 ** https://orcid.org/0000-0002-0771-6816
Introdução
Por quais fontes e em que medida as informações científicas relacionadas à pandemia chegaram aos jovens da periferia? Essa foi a questão central da presente pesquisa, desenvolvida no contexto do Programa de Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – Ensino Médio da Universidade Federal do ABC.
A pandemia de Covid-19 exigiu uma rápida reação de profissionais dedicados à Divulgação Científica com o objetivo de subsidiar a circulação de informações corretas sob o ponto de vista científico sobre os cuidados exigidos pelo momento e, ao mesmo tempo, sobre as respostas fornecidas pela Ciência em relação à nova doença. Para além da superação do negacionismo e da desinformação, a pandemia reivindicou a atenção de cientistas, educadores e comunicadores também para as incertezas inerentes aos processos de produção científica e de sua divulgação.
Uma impressão comum sobre a pandemia é que ela propiciou um momento perfeito para que as práticas de Divulgação Científica e Comunicação Pública da Ciência encontrassem oportunidades únicas de atuação, devido a centralidade da prática científica em fazer frente à crise sanitária, especialmente em um contexto de desinformação e negacionismo. Entretanto, para profissionais e instituições atuantes no campo da Comunicação Pública da Ciência há mais tempo, o que a crise sanitária da Covid-19 evidenciou provoca também uma sensação de fracasso, explicitando que Ciência e Público seguem distantes e os métodos de produção do conhecimento científico desconhecidos.
As atividades de Divulgação Científica e seu papel em possibilitar uma aproximação da sociedade aos conhecimentos produzidos pela Ciência, têm como um de seus desafios ampliar a adesão de camadas significativas do público aos seus discursos e práticas, e, para além disso, estimular ao despertar de vocações e a participação das pessoas em processos de tomada de decisão que, cada vez mais, envolvem a compreensão de conhecimentos dos campos científico e tecnológico [1].
Entretanto, especialmente no Brasil, como acreditam Massarani e Moreira [2], tal campo ainda precisa de um amadurecimento para oferecer uma comunicação de qualidade que permita ao público apropriar efetivamente os conhecimentos científicos. Tal questão ficou ainda mais evidente na Pandemia, quando do surgimento de várias ações de divulgação científica levadas a cabo pelos mais diversos atores, como uma reação a chamada Infodemia que, como apontam Massarani, Neves e Silva [3], é um resultado direto do excesso de informação que, em muitos casos, acaba por dificultar a identificação de orientações confiáveis.
Entre os fatores que podem ter contribuído, ainda mais para nublar o debate sobre a Covid-19, de acordo com Fabrício, Pezzo e Oliveira [4], estão: a manutenção de uma tensão frequente com discursos negacionistas e ideologizados, mantendo em evidência as falsas controvérsias criadas por tais discursos; a dificuldade demonstrada por diversos divulgadores científicos em compreender que seus discursos não podem simplesmente reproduzir aqueles produzidos pela Ciência, mas sim configurar uma recontextualização do conhecimento científico que leve em conta suas inter-relações com as dimensões políticas, sociais, econômicas e, inclusive, afetivas; e, por fim, uma dificuldade de educadores, cientistas, comunicadores e divulgadores científicos em proporcionarem, a si e ao seu público, experiências formativas ampliadas e fundadas em um diálogo efetivo entre Ciência e Sociedade.
Os objetivos da pesquisa
Assim, de modo a buscar subsídios para uma melhor compreensão sobre o papel exercido pelos divulgadores científicos e pelos meios de comunicação durante o período mais agudo da pandemia, além de fornecer apontamentos que ajudem a nortear novas ações que proporcionem um maior engajamento do público em questões relacionadas à Ciência, o objetivo desta investigação foi identificar o interesse do público jovem da periferia da cidade de São Paulo sobre temas relacionados à Covid-19 durante a pandemia, bem como avaliar o papel dos meios de comunicação, especialmente digitais, e dos divulgadores científicos na circulação de informações científicas sobre a doença. Como objetivos específicos, o estudo buscou: a) Identificar os principais temas de interesse em relação à Pandemia; b) Conhecer os principais canais utilizados para obtenção de informações sobre a Covid-19; c) Identificar quais atores envolvidos na Divulgação Científica e na Comunicação Pública da Ciência exerceram maior influência sobre o esse público no contexto da Pandemia; d) Avaliar a confiança dos participantes do estudo em relação às informações sobre a Covid - 19.
Buscando respostas para nossos questionamentos
Para cumprir os objetivos da investigação, em um primeiro momento submetemos seu projeto à aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal do ABC (CEP – UFABC), onde está registrado no Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) número 64577222.2.0000.5594. Em seu desenvolvimento, a pesquisa utilizou uma abordagem do tipo mista, com caráter descritivo e exploratório [5].
O estudo foi realizado junto a um grupo de alunos da “Escola Técnica Estadual (ETEC) de Sapopemba”, localizada no bairro Fazenda da Juta, Distrito de Sapobemba, município de São Paulo – SP. Sapobemba é o maior território da Zona Leste de São Paulo, contando com uma população de cerca de 280 mil pessoas que, em sua maioria, se deslocam diariamente para trabalhar em outras regiões da cidade e nos municípios vizinhos do ABC. Além disso, é o distrito de São Paulo com o maior número de favelas, 33 no total, apresentando uma baixa colocação no Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) e Índice Paulista de Vulnerabilidade Juvenil (IPVJ). Nesse contexto, de acordo com Lima [6], a ETEC é considerada pela juventude local como uma referência de qualidade e como um dos principais elementos no território com capacidade de promover a ascensão social, seja pela qualificação para o emprego ou, principalmente, por oferecer uma maior possibilidade de acesso às Universidade Públicas.Os dados foram coletados com a utilização de um questionário eletrônico [7], hospedado na plataforma Google Forms, contendo quatro questões fechadas e oito questões abertas, o formulário está disponível no endereço: https://forms.gle/J71DAQTR7vwJs4BU6.
Para a exploração dos dados coletados, foram utilizadas a tabulação das respostas e a aplicação do ferramental da Análise Textual Discursiva [8], permitindo assim a determinação das categorias de análise utilizadas para dar forma ao resultado da investigação.
Resultados encontrados
A pesquisa contou com 82 participantes, com idades variando entre 14 e 20 anos. A maioria se identifica como pertencente ao gênero feminino, totalizando 73,17% da amostra (60 pessoas), na sequência, 20 estudantes se identificaram como pertencentes ao gênero masculino, representando 24,39% dos participantes. Por fim, duas pessoas preferiram não responder sobre sua identidade de gênero, o que representa 2,44% da totalidade de sujeitos participantes do estudo. A totalidade dos participantes relatou ter fácil acesso à internet e fazer uso frequente de ferramentas digitais.
Quando questionados se pesquisavam temas relacionados à Covid-19 durante a Pandemia, 70 participantes (87,80%) responderam afirmativamente, já para as outras 12 pessoas participantes (12,80%) a resposta foi negativa. Entre os temas de interesse sobre a doença, foram identificadas, com a ajuda da Análise Textual Discursiva, seis categorias: Características da doença, identificada em 37 respostas (33,64%); Análises estatísticas da pandemia, observada em 26 respostas (23,64%); Informações sobre vacinas, com 23 referências (20,91%); Características do vírus, identificada em 16 respostas (14,55%); Tratamentos e medidas de contenção, com 5 respostas (4,55%); e, por fim, Questões sociais e políticas, presentes em 3 apontamentos (2,73%), como pode ser observado no gráfico seguinte (FIGURA 1).
Figura 1. Distribuição das respostas dos participantes de acordo com as categorias referentes aos temas de interesse relativos à Covid-19 pesquisados durante a pandemia.
Em relação aos meios de comunicação onde os participantes buscavam informação, a Televisão esteve presente em 65 respostas (48,51%); seguida pelas Redes sociais, apontadas em 20 respostas (14,93%); Sites de notícias e/ou especializados com 11,94% (16 respostas), Google 10,45% (14 respostas); Jornais impressos 6,72% (9 respostas); e, finalmente, Sites oficiais e Youtube empatados, tendo cada um deles presença em 5 respostas (3,73%). As distribuições das respostas podem ser observadas no gráfico a seguir (FIGURA 2).
Figura 2. Distribuição das respostas dos participantes sobre os meios e canais de comunicação onde buscavam informações relativas à Covid-19 durante a pandemia.
Entre as personagens lembradas como fontes de informação, Jornalistas e apresentadores de TV, aparecem com 63 citações (77,78%); seguido por Especialistas com 8 referências (9,88%); Divulgadores científicos, presentes em 6 citações (7,41%); e, Influencers/Youtubers em 4 respostas (4,94%).
Esses resultados indicam aquilo que Pezzo e Fabrício [9] alertam sobre uma falsa impressão de que a miríade de ações de DC colocada em curso durante a pandemia tenha apresentado um grande alcance entre o público. Como pode se observar, a influência exercida pela Televisão ainda é predominante entre os participantes, apesar de tal público integrar uma faixa etária com grande familiaridade com as redes digitais, onde a maioria das práticas emergentes de CPC tomaram forma durante a crise sanitária.
Quando questionados sobre a confiança nas fontes de informação, 62 participantes (75,61%) responderam afirmativamente enquanto outros 20 participantes (24,39%) afirmaram não confiar nas fontes de informação.
Considerações Finais
Os resultados alcançados pela investigação apontam para a existência de uma grande curiosidade pelas questões científicas durante a pandemia, entretanto, como indicam os principais temas de interesse, em boa parte mais voltados especificamente à questão sanitária envolvida. A predominância da Televisão como principal veículo de informação entre esses jovens durante a pandemia, também chama a atenção, uma vez que tal público tem domínio e acesso aos meios digitais de comunicação.
Outro aspecto interessante, diz respeito ao fato de esses jovens buscarem informações sobre a crise especialmente no jornalismo profissional e na fala de especialistas, atribuindo sua confiança nas fontes à credibilidade de tais profissionais ou, ainda, dos veículos aos quais eles estão inseridos. Tal achado nos resultados, pode ser uma evidência de que esse público, em específico, tem um nível considerável da chamada formação para as mídias, o que permitiria um melhor trânsito entre os ecossistemas comunicacionais digitais. Outra aspecto que deve ser levado em conta é o fato de os participantes estarem localizados em uma faixa etária que pode ser considerada como nativa digital, o que poderia também indicar o estabelecimento de um outro tipo de relação com as informações circulantes nas redes e meios de comunicação. Tais questionamentos, no entanto, devem ser respondidos a partir da realização de novos estudos relacionados à juventude e sua relação com as informações científicas e os meios de comunicação.
Embora os resultados encontrados na pesquisa sejam um recorte do tema em um contexto localizado, eles indicam a importância de uma maior atenção das políticas públicas no sentido de fomentar um maior espaço para questões científicas e sanitárias nos meios de comunicação de massa com maior impacto no público das áreas periféricas, seja pela destinação de um maior aporte financeiro ou pelo estabelecimento de incentivos destinados ao desenvolvimento de campanhas e programas dedicados aos temas de saúde pública. Também vale reforçar a importância de que os referenciais e ações da educação para as mídias sejam incorporados de maneira mais robusta nas práticas educacionais, desde formação inicial e continuada de professores até a inclusão definitiva de tal campo nos currículos e documentos oficiais voltados para todos os níveis de ensino.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica no Ensino Médio (PIBIC-EM/CNPq) da Universidade Federal do ABC (UFABC) pela concessão de auxílio financeiro (bolsa de estudos), processo 23006.000030 I 2022-85, e aos professores e gestores da Escola Técnica Estadual (ETEC) de Sapopemba pelo apoio na condução da pesquisa.
Referências bibliográficas
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- Massarani, L. & Moreira, I. de C. Divulgación de la ciencia: perspectivas históricas y dilemas permanentes. Quark 32, 30-35 (2004).
- Massarani, L.; Neves, L. F. F. & Da Silva, C. M. Excesso e alta velocidade das informações científicas: Impactos da COVID-19 no trabalho de jornalistas. E- Compós 25, 1- 17 (2022). https://doi.org/10.30962/ec.2426
- Fabrício, T. M.; Pezzo, M. R. & Oliveira, A. J. A. Divulgação Científica pós-pandemia, ou como não repetir nossos erros. CTS em foco 2, 20 - 24 (2021).
- Piovezan, A. & Temporini, E. R. Pesquisa exploratória: procedimento metodológico para o estudo de fatores humanos no campo da saúde pública. Revista de Saúde Pública 29 (4), 318 – 325 (1995).
- Lima, L. J. Em busca do Ensino Superior: trajetórias e estratégias de Estudantes de uma ETEC da cidade de São Paulo. (Dissertação de Mestrado) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP (2016).
- Mattar, J. & Ramos, D. K. Metodologia da Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas, quantitativas e mistas. 1ed. São Paulo: Edições 70 (2021).
- Moraes, R. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise textual discursiva. Ciência & Educação 9 (2), 191 – 211 (2003).
- Pezzo, M. R. & Fabrício, T. M. Comunicação Pública da Ciência em(tre) tempos de Pandemia. In: A. Autran & T. Andrade (Org.). Qual interdisciplinaridade está em jogo? Debates sobre processos comunicacionais e educativos. 1ed. Campinas - SP: Pontes Editores, 220 -244 (2023).
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