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Página inicial > Divulgação Científica > PesquisABC > Edição nº 37 - Outubro de 2024 > Mulheres que inspiram: As motivações e potencialidades das palestrantes do projeto Menina Ciência - Ciência Menina
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Mulheres que inspiram: As motivações e potencialidades das palestrantes do projeto Menina Ciência - Ciência Menina

imagem ilustrativa

A Revista Eletrônica PesquisABC possui o seguinte registro ISSN: 2675-1461

ªMariana da Costa Peres*,  b Maria Inês Ribas Rodrigues**

ªGraduanda do curso de “Licenciatura em Química” da Universidade Federal do ABC - UFABC

b Professora adjunta do Centro de Ciências Naturais e Humanas da Universidade Federal do ABC - UFABC.

*Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

**Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. - ORCID ID 0000-0001-5328-5503 

 

Resumo: As mulheres enfrentam muitos obstáculos para assumir cargos nas áreas STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). Apenas 28,8% dos pesquisadores do mundo são mulheres e muitas profissões são consideradas exclusivas para homens, o que afasta as mulheres de cursos nestas áreas e diminui a representatividade. O projeto Menina Ciência - Ciência Menina, da UFABC, reúne mulheres voluntárias promovendo palestras e atividades para meninas dos anos finais do ensino fundamental, aproximando-as da ciência e de mulheres cientistas de sucesso. As palestrantes desempenham um papel fundamental como exemplo pessoal e profissional para as meninas. Neste trabalho, buscamos compreender quais as motivações das palestrantes para contribuir com o projeto, suas trajetórias, os desafios que já vivenciaram por conta do gênero, suas visões  sobre o projeto e  o futuro das mulheres na ciência. Foram realizadas entrevistas online para coletar esses dados, que revelaram que as palestrantes acreditam que o projeto cumpre seu papel de aproximar as meninas das áreas STEM e contribuem com ele por conta de seu caráter inovador e seu potencial na luta pela representatividade.

Palavras-chave: STEM; gênero; projeto de extensão; ensino fundamental; ciências exatas

Abstract: Women face many obstacles to get positions in STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics) areas. Only 28.8% of researchers in the world are women and many professions are considered exclusive to men, such as those related to exact sciences, which keeps women away from courses in this area and reduces representation. The Menina Ciência - Ciência Menina project, from UFABC, brings together a team of women who work as volunteers to promote lectures and activities for girls in middle school, in order to bring them closer to science and the trajectory of successful women scientists . The speakers play a fundamental role, as they serve as personal and professional examples for the girls. In this work, we sought to understand the speakers' motivations for contributing to the project, their professional trajectories and the challenges they have already experienced due to their gender, their views on the project's objectives and the future of women in science. Online interviews were carried out to collect this data, which when analyzed, revealed that the speakers believe that the project can really bring girls closer to STEM areas and contribute to it by seeing its innovative character and potential in the fight for female representation.

Keywords: STEM; gender; extension programs; middle school; exact science

Introdução

Dados da UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura indicam que apenas 28,8% dos pesquisadores acadêmicos do mundo são mulheres. Isso acontece por vários motivos, como a sobrecarga com o cuidado dos filhos e da casa, a discriminação sexual no financiamento e apoio às pesquisas feitas por  mulheres e a falta de mulheres ocupando cargos de liderança nas empresas e instituições. Além disso, as meninas geralmente se interessam por carreiras já associadas a elas, como as da área da saúde ou das ciências sociais. Essas profissões são direcionadas ao público feminino por demandarem cuidados com outras pessoas, com a educação e a saúde, papéis que elas já exercem no ambiente familiar. Esse fenômeno ocorre devido a ideia de vocação, que foi e ainda é utilizada para determinar as “profissões de homem ou de mulher” (GROSSI et al., 2016).

Esses estereótipos são construídos e reforçados desde a infância e se revelam quando se esperam comportamentos diferentes das meninas, como organização, comportamento impecável e capricho, em casa e na escola, enquanto os meninos podem ser  criativos e realizar atividades que exijam pensamento lógico e racionalidade.

Diversos projetos buscam inserir mais meninas na ciência. Ainda que lentamente, eles vêm mudando o cenário e tentando reverter a desigualdade. Essas iniciativas contribuem para a autoestima das meninas, promovem o contato com a universidade e modificam a visão de ciência que elas possuem, demonstrando que os cientistas são pessoas comuns.

O projeto Menina Ciência - Ciência Menina (MCCM), da Universidade Federal do ABC, reúne desde 2019  meninas estudantes dos anos finais do ensino fundamental, a fim de  aproximá-las da ciência por meio de atividades, rodas de conversa e palestras. A 5ª edição do projeto foi realizada em 2023. O projeto acontece remotamente desde 2020, devido a pandemia de COVID-19. Organizado por mulheres cientistas, o MCCM conta também com uma equipe de monitoras, estudantes da graduação e pós-graduação da UFABC e de outras instituições de ensino superior.

Por que essa questão é tão importante?

As barreiras que dificultam o acesso das mulheres às carreiras das áreas STEM são notadas pelas próprias meninas em idade escolar. Ainda no ensino médio, as estudantes consideram o machismo e os estereótipos de gênero como razões para o afastamento de disciplinas da área de ciências exatas e, consequentemente, de cursos superiores na engenharia, matemática ou tecnologia, por exemplo (AIRES et. al., 2018). Isso significa que a disparidade de gênero é capaz de fazer com que as meninas desacreditem na possibilidade de optar por certas áreas e profissões e até mesmo duvidem do potencial que possuem para certas atividades, apenas por se sentirem intimidadas  pela maioria masculina.

Para reverter essa situação, é necessário que as meninas sejam apresentadas a mulheres que lhes sirvam de referência, que atuem nas ciências naturais e exatas e tenham seus trabalhos reconhecidos. Além disso, é preciso evitar exemplos sexistas, bem como tratamentos diferentes para meninos e meninas. Isso é um papel da escola e dos professores, que deveriam problematizar os estereótipos e questões de gênero (ALMEIDA et. al.,2020) mas, na prática, nem os livros didáticos contribuem para a representatividade, apresentando exemplos femininos e masculinos de forma desigual ou ainda trazendo mulheres apenas como mães, donas de casa, professoras e enfermeiras, sempre relacionadas com atividades de cuidado ou de caráter social.

Projetos como o MCCM são criados para que as meninas tenham a oportunidade de conhecer as histórias de mulheres que atuam em diferentes áreas do conhecimento, bem como quais são as suas atividades e a importância delas para o avanço científico e para a sociedade, compreendendo que elas também são capazes de se tornar cientistas, independente do gênero, da classe social ou da área escolhida.

Objetivos da pesquisa:

O objetivo dessa pesquisa foi analisar os relatos das mulheres palestrantes do projeto Menina Ciência - Ciência Menina para identificar uma série de informações, como:

  • Suas  trajetórias pessoais,  acadêmicas e profissionais 
  • Os desafios e obstáculos que vivenciaram durante a carreira por conta do gênero.
  • Suas motivações para contribuir como palestrantes.
  • Suas perspectivas quanto a inspiração e influência que representam para as meninas e quanto ao impacto do projeto na vida das participantes.

É importante compreender como as palestrantes enxergam a influência que exercem sobre as participantes, assim como quais são as suas esperanças e expectativas para o futuro, ou seja, se elas realmente acreditam que a desigualdade de gênero na ciência diminuirá nos próximos anos.

mccm 1 mariana peres

Imagem I - Meninas da edição de 2019 do MCCM após atividade de biologia
Fonte: https://meninaciencia.eventos.ufabc.edu.br/edicao2019/

Outras pesquisas já realizadas com mulheres cientistas demonstraram, justamente através da análise dos seus discursos, que a escolha pela carreira científica é baseada em aspectos como o incentivo familiar, a influência da mídia, pessoas que serviram de referência e até mesmo a relação com o ambiente escolar (SILVA e RIBEIRO, 2012). Por isso, partimos do pressuposto de que as meninas atendidas pelo MCCM também poderão se basear nesses aspectos para escolher suas profissões futuramente, tendo as palestrantes do projeto como inspiração para tal. Portanto, além dos objetivos já citados, buscamos também entender como foi a infância das mulheres palestrantes e se as experiências vivenciadas por elas tiveram, de fato, impacto nas suas decisões profissionais.

Conversando com as cientistas

Para obter os relatos das palestrantes, foram realizadas entrevistas através da plataforma Google Meet, que foram gravadas com a autorização das participantes e do comitê de ética (CEP) da UFABC e transcritas para que as falas pudessem ser avaliadas separadamente. Foram feitas algumas perguntas para direcionar a conversa, de modo que todas as entrevistadas comentassem sobre os mesmos temas. Essas questões foram divididas em algumas categorias, para facilitar a análise:

  • Experiência acadêmica e atuação profissional
  • Escolha da profissão e influências
  • Desafios relativos ao gênero
  • Motivações e percepções sobre sua participação no projeto MCCM

Foram convidadas para a pesquisa, por meio do email institucional do projeto,  as palestrantes que atuaram no projeto de 2019 a 2022. Todas as convidadas foram informadas sobre a relação direta da pesquisa  com o programa de iniciação científica da UFABC e com o projeto Menina Ciência - Ciência Menina. Além disso, elas receberam um termo de consentimento a ser preenchido caso aceitassem participar das entrevistas de forma voluntária. Quatro palestrantes aceitaram o convite e as entrevistas foram marcadas conforme a disponibilidade das mesmas. As conversas  tiveram duração aproximada de 30 minutos cada. 

Cada relato foi transcrito na íntegra para a análise dos discursos das palestrantes. Cada participante contou sua história, falou sobre sua infância, explicou como se deu a escolha pela profissão em que atua e refletiu sobre sua atuação no projeto e a influência disso na vida e no futuro das meninas participantes, além de darem suas opiniões sobre o futuro das mulheres na ciência e sobre o impacto do projeto como um todo, inclusive sugerindo mudanças para as edições seguintes.

O que concluímos através dos relatos?

As falas das palestrantes durante as entrevistas revelaram que a maioria delas já possuía alguma inclinação para as ciências na infância, como curiosidades e interesses específicos relacionados aos fenômenos naturais ou maior aptidão para determinadas disciplinas na escola. Além disso, relataram que muitas brincadeiras e atividades que realizavam quando crianças contribuíram para esses interesses.  

Elas também relataram que tiveram, durante a vida, pelo menos uma pessoa que as inspirou, motivou ou influenciou na decisão pela área científica. Mãe, padrasto e professores foram alguns exemplos citados. Essas pessoas foram responsáveis, principalmente por apresentá-las à ciência através de jogos, revistas e histórias, além de espaços como museus de ciência, congressos, escolas e universidades.  No geral, elas atribuem o incentivo e os exemplos que receberam dessas pessoas como fator relevante para as suas escolhas profissionais e para que não desistissem mesmo ao se depararem com desafios ao longo de suas trajetórias. 

As palestrantes ainda concordaram que ser mulher é um fator que pode dificultar o ingresso, o trabalho e a permanência em certas áreas, principalmente as de tecnologia, ciências exatas ou a carreira acadêmica (àrea de pesquisa e docência), em especial por conta da maternidade, da amamentação e das demandas atribuídas à elas, como o cuidado da casa e até a priorização da carreira de seus companheiros. Isso porque as mulheres não têm a mesma disponibilidade e liberdade para trabalhos de campo e dedicação à pesquisa, por exemplo.

Já sobre a participação como palestrantes no projeto, foram citadas diversas motivações: a necessidade de valorização das mulheres e da luta pela equidade de gênero, a importância de demonstrar que a ciência é um caminho possível para meninas de todas as origens e classes sociais e principalmente a crença no potencial inovador do MCCM. Todas as entrevistadas expressaram grande satisfação com suas experiências como palestrantes e com a oportunidade de conversar diretamente com as meninas para falar sobre suas trajetórias, responder perguntas e incentivá-las a seguir seus sonhos de se tornarem cientistas em suas áreas.  Duas delas sugeriram ainda que, nas próximas edições do MCCM, as rodas de conversa realizadas com as meninas após a disponibilização das palestras tivessem maior tempo de duração, para que todas as perguntas das meninas possam ser respondidas “ao vivo”  e para que haja oportunidade de mais meninas fazerem comentários e participar ativamente desse momento.

O que esses resultados significam?

No geral, os discursos das mulheres cientistas entrevistadas nos levam a concluir que o projeto Menina Ciência - Ciência Menina tem cumprido seus objetivos, trazendo palestrantes engajadas na causa da equidade de gênero,  preocupadas com o futuro das meninas na ciência e dispostas a promover mudanças significativas por meio do diálogo. 

As experiências positivas das palestrantes indicam ainda que o modelo remoto adotado após a pandemia não dificultou o contato das mesmas com as meninas e as conversas continuaram ocorrendo com qualidade. Ainda assim, a sugestão de um tempo maior para as rodas de conversa é um ponto a ser avaliado para as próximas edições, a fim de prezar pela participação de todas. 

Com isso, justifica-se a continuidade do projeto, anualmente, e quem sabe sua expansão para seguir atendendo, inspirando e incentivando cada vez mais estudantes a lutar por seus espaços na ciência, indo contra os estereótipos, preconceitos e obstáculos que surgem no caminho.

Agradecimentos:

Agradecemos à Pró-Reitoria de Pesquisa (PROPES) da Universidade Federal do ABC, pelo apoio ao programa de iniciação científica e à bolsa de estudos disponibilizada para a plena realização deste trabalho.

Referências:

AIRES, J. et al. "Barreiras que impedem a opção das meninas pelas ciências exatas e computação: Percepção de alunas do ensino médio." Anais do XII Women in Information Technology. SBC, 2018. 

ALMEIDA, E. A. E et al.. Intencionalidade das Ações Pedagógicas à Desconstrução de Estereotipias de Gênero nas Aulas de Ciências Naturais. Ciência e Educação (Bauru), v. 26, e20048, 2020. 

GROSSI, Márcia Gorett Ribeiro, et al. As mulheres praticando ciência no Brasil. Estudos Feministas. Florianópolis: v. 24, n. 1, 2016, p. 11-30.

SILVA, F.F; RIBEIRO, P.R.C. A inserção das mulheres na ciência: narrativas de mulheres cientistas sobre a escolha profissional. Linhas Críticas, Brasília, v. 18, n. 35, p. 171-191, jan. 2012. 

Registrado em: Edição nº 37 - Outubro de 2024
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