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Página inicial > Divulgação Científica > PesquisABC > Edição nº 37 - Outubro de 2024 > Você Conhece a Síndrome Cardiorrenal e as Toxinas Urêmicas?
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Você Conhece a Síndrome Cardiorrenal e as Toxinas Urêmicas?

A Revista Eletrônica PesquisABC possui o seguinte registro ISSN: 2675-1461

Beatriz Favero Bedin [a], Marcela Sorelli Carneiro-Ramos [a]*

[a] Centro de Ciências Naturais e Humanas, Universidade Federal do ABC.

 

Resumo: Doenças cardiovasculares, a principal causa de mortes no mundo, podem ocorrer em decorrência de outras condições clínicas, como a síndrome cardiorrenal, uma doença que ocorre entre os rins e o coração. A síndrome cardiorrenal é dividida em 5 subtipos. Em destaque, a síndrome cardiorrenal do tipo 3 ocorre em decorrência de uma lesão renal aguda, causando uma disfunção cardíaca aguda. A lesão renal aguda pode ocorrer por diversos fatores, como, obstrução urinária, transplante renal e altos níveis de toxinas urêmicas. O foco deste estudo foi avaliar o efeito da toxina urêmica, p-Cresil Sulfato, na síndrome cardiorrenal do tipo 3. Para isso, foram realizados experimentos com culturas celulares imortalizadas de coração murino e rim humano, tratadas com p-Cresil Sulfato diretamente, e, indiretamente, pelo meio de cultura condicionado pelas células renais sendo transferido para as células cardíacas. Vimos que, nas células renais, o p-Cresil Sulfato diminui a viabilidade e diminui a duplicação, ou seja, gera dano renal. Na simulação da síndrome cardiorrenal, vimos que o p-Cresil Sulfato causa dano direto nas células cardíacas, mas não indiretamente, quando usamos o meio condicionado pelas células renais. Esses resultados sugerem que o p-Cresil Sulfato promove lesão nas células renais e cardíacas, de maneira independente.

Palavras-chave: cardiorrenal; toxina urêmica; p-cresil sulfato; células renais; células cardíacas.

Abstract: Cardiovascular diseases, the leading global cause of death, can arise due to other clinical conditions, such as cardiorenal syndrome, a condition occurring between the kidneys and the heart. Cardiorenal syndrome is categorized into 5 subtypes. Particularly, type 3 cardiorenal syndrome occurs due to acute kidney injury, leading to acute cardiac dysfunction. Acute kidney injury can result from various factors, including urinary obstruction, kidney transplantation, and elevated levels of uremic toxins. The focus of this study was to assess the effect of the uremic toxin p-Cresyl Sulfate on type 3 cardiorenal syndrome. For this purpose, experiments were conducted using immortalized murine heart and human kidney cell cultures treated directly with p-Cresyl Sulfate and indirectly, through conditioned culture medium transferred from renal to cardiac cells. We observed that p-Cresyl Sulfate reduces viability and reduces duplication in renal cells, indicating renal damage. In cardiorenal syndrome simulation, we found that p-Cresyl Sulfate causes direct damage to cardiac cells but not indirectly, when using medium conditioned by renal cells. These results suggest that p-Cresyl Sulfate independently induces injury in both renal and cardiac cells.

Keywords: cardiorenal; uremic toxin; p-cresyl sulfate; renal cells; cardiac cells.

 

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ORCID 0000-0003-2666-1280 /ORCID 0000-0002-4549-752X

 

Você com certeza conhece alguém que tem problemas cardiovasculares, mas, você conhece alguém que tem síndrome cardiorrenal? Como o nome diz, a síndrome cardiorrenal é uma doença que afeta o coração e os rins, mas como isso ocorre? Os rins e o coração sempre “conversam” entre si, para fazer com que o corpo humano continue em equilíbrio. Por exemplo, quando há uma queda na pressão arterial, o rim libera um hormônio chamado Renina, que induz uma série de alterações que são capazes de regular a pressão arterial. Mas, quando se há uma doença e/ou mal funcionamento no rim ou no coração, a “conversa” existente entre eles também pode ser negativa, causando um problema no outro órgão. Uma lesão no rim pode causar problemas no coração, e uma lesão no coração, também, é capaz de gerar problemas no rim. A essas situações, em que a lesão em um desses órgãos leva a um problema no outro, damos o nome de síndrome cardiorrenal (1).

Agora, você deve estar se perguntando, se eu tiver uma lesão no meu rim terei um problema no meu coração? Ou, se eu tiver uma lesão no meu coração terei uma complicação no meu rim? E a resposta é: é possível que sim. Apesar de já conhecermos algumas causas e tratamentos para essa patologia, ainda hoje, muitas pesquisas estão sendo realizadas com o intuito de melhor compreender essa síndrome e propor novas estratégias terapêuticas. 

A síndrome cardiorrenal é dividida em 5 tipos diferentes, que mudam de acordo com o órgão de origem da lesão (rim ou coração) e intensidade (aguda ou crônica). A lesão renal aguda é algo que acontece rapidamente, mas é possível de ser revertida (2), já a lesão renal crônica ocorre por danos que acontecem lentamente e costumam ser irreversíveis (3) (Figura 1). A síndrome cardiorrenal do tipo 1 ocorre quando uma lesão aguda no coração ocasiona uma lesão renal aguda. A síndrome cardiorrenal do tipo 2 é estabelecida quando uma lesão crônica no coração leva a uma lesão crônica nos rins. Já as síndromes cardiorrenais do tipo 3 e 4, também conhecidas como renocárdicas, ocorrem por meio de uma lesão renal aguda ou crônica, capaz de levar a alterações cardíacas agudas ou crônicas, respectivamente. Por fim, a síndrome cardiorrenal do tipo 5 ocorre quando tanto o coração como os rins são afetados ao mesmo tempo por problemas sistêmicos, como sepse e diabetes mellitus.

Nesta pesquisa, estudamos a síndrome cardiorrenal do tipo 3, onde uma lesão aguda no rim, causa alterações no coração. Alguns exemplos de lesão renal aguda são: obstrução urinária, cálculos renais (pedras), transplantes renais e traumas em geral (4). Além disso, já é conhecido que um grupo de moléculas que estão presentes no corpo humano também são capazes de gerar lesões renais em algumas situações. Essas moléculas são conhecidas como toxinas urêmicas.

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Figura 1 - Figura representativa sobre os diferentes tipos de síndrome cardiorrenal. Fonte: Autor. Biorender

Mas o que são as toxinas urêmicas? São compostos gerados no corpo humano pela degradação dos alimentos feita pelas bactérias do intestino. Essas moléculas normalmente conseguem ser eliminadas pela urina, mas, em algumas situações, como na doença renal crônica, não conseguem ser eliminadas e ficam acumuladas na corrente sanguínea. Os cientistas já descobriram que essas toxinas são capazes de causar dano a diversos órgãos e sistemas do nosso organismo, como por exemplo, o sistema cardiovascular (5). E, piorando ainda mais a situação, uma classe de toxinas urêmicas específica, as toxinas urêmicas ligadas a proteínas do sangue, formam uma molécula muito grande, que não consegue ser filtrada pelas membranas durante a hemodiálise (6), conforme mostra a figura 2. Os rins têm a função de depurar o sangue e eliminar as substâncias indesejadas pela urina. Quando existe uma lesão no rim e, este não consegue mais realizar sua função de filtragem, é necessário o transplante renal e/ou a hemodiálise, a fim de manter a homeostasia (7). Dados obtidos nos Estados Unidos em 2000, mostram que 45% dos óbitos de pacientes que estão em diálise, são devido a doenças cardiovasculares, e portanto, estão relacionadas à síndrome cardiorrenal (8).

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Figura 2 – Na parte superior, é possível visualizar o processo de formação das toxinas urêmicas. Já na parte inferior, podemos visualizar exemplos de toxinas urêmicas ligadas a proteínas, e que são parcialmente removidas durante a diálise. Fonte: Autor. Biorender

 

Considerando o que foi mencionado anteriormente, sabemos que uma lesão renal aguda pode causar alterações que afetam o coração, e, sabemos também que o aumento das toxinas urêmicas pode causar dano aos órgãos, incluindo rins e coração. Com isso, o objetivo deste estudo, realizado na Universidade Federal do ABC (UFABC), foi descobrir se a toxina urêmica, p-Cresil Sulfato, uma toxina ligada a proteínas do sangue, isoladamente, é capaz de gerar uma lesão renal aguda que seria responsável por causar ou aumentar uma lesão indireta no coração. 

Como os experimentos foram feitos?

Para descobrirmos o papel do p-Cresil Sulfato, também chamado de PCS, na síndrome cardiorrenal, realizamos experimentos utilizando células imortalizadas de animais, cultivadas em laboratório. Neste trabalho, as células HEK-293, originadas de rim humano, e as células H9c2, de coração de rato, foram utilizadas. As células imortalizadas são células que são retiradas de animais, e sofrem mudanças em laboratório, mutações, para que possam se multiplicar por tempo indefinido. Com isso, podemos usar essas células dentro do laboratório, para fazermos nossos testes. 

As células são mantidas em uma placa de cultura, com poços, onde as células ficam aderidas. Cada poço é preenchido com um meio de cultura, que é um líquido contendo tudo o que a célula precisa para se multiplicar (água, sais, nutrientes etc), e onde é possível adicionar moléculas específicas, como o PCS utilizado no presente estudo. Foi realizado tratamento de células renais e células cardíacas com PCS diretamente, bem como transferindo o meio de cultura de células renais tratadas com PCS para as células cardíacas, a fim de mimetizar a síndrome cardiorrenal (Figura 3).

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Figura 3 – Imagem representativa dos experimentos realizados para simular a síndrome cardiorrenal após tratamento com PCS. Fonte: Autor. Biorender

O que descobrimos com os experimentos?

Foi possível ver que o PCS diminui a quantidade de células renais vivas, e, quanto maior a concentração de PCS, maior a taxa de morte celular. Além de diminuir a quantidade de células vivas, ou seja, diminuir a duplicação celular, o PCS também promoveu um aumento na morte dessas células. O que podemos saber com isso? É possível notar que o PCS causa dano às células renais, como era esperado, mas, além disso, ele também faz com que as células morram mais e se dupliquem menos, dificultando a recuperação dessas células após a lesão induzida pelo PCS.

Quando realizamos os experimentos simulando a síndrome cardiorrenal (meio de cultura das células renais sendo transferido para células cardíacas), foi possível observar que o PCS foi capaz de induzir dano celular nas células cardíacas diretamente, bem como indiretamente, quando utilizamos o meio de cultura de células renais tratadas com PCS, nas células cardíacas. Esse resultado nos mostra que, provavelmente, o dano sofrido pelas células cardíacas é um efeito direto do PCS e não um efeito de algo que as células renais estão alterando nas células cardíacas.

Todos os resultados apresentados estão esquematizados na figura 4.

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Figura 4 - Figura esquemática sobre os achados desta pesquisa. Fonte: Autor. Biorender.

O que nossa pesquisa adicionou ao que já se sabia?

Esta pesquisa descobriu os modos pelos quais o PCS afeta as células renais, ou seja, ele aumenta a morte celular e diminui a duplicação. Essas informações sobre o efeito do PCS nas células renais ainda não eram conhecidas. Além disso, descobrimos que o PCS sozinho, não é capaz de estimular a síndrome cardiorrenal ao menos na concentração e tempo testados. Fator que ainda não tinha sido visto na literatura científica.

Esses achados são novos conhecimentos para a base da pesquisa científica. Acreditamos que um dia as descobertas desta pesquisa possam ajudar a descobrir novas formas de tratamento e/ou diagnóstico para os pacientes que desenvolveram problemas cardíacos devido ao acúmulo de PCS gerado por uma lesão renal aguda. No passado recente, não se existiam métodos capazes de diminuir os níveis de toxinas urêmicas em um paciente, porém hoje já existem técnicas combinatórias para que essas toxinas sejam parcialmente removidas, por meio de alimentação específica, suplementação de probióticos e medicamentos intestinas, algumas vezes combinados com hemodiálise (9). As novas formas de tratar os pacientes urêmicos só pode surgir graças aos conhecimentos de pesquisa básica acerca das toxinas urêmicas.

Por que esses resultados são importantes para a sociedade?

A OMS já disponibilizou dados que mostram que as doenças cardiovasculares são as principais causas de morte no mundo. Em 2016, a Organização Pan-Americana da Saúde disponibilizou estatísticas que mostram que 31% de todas as mortes no mundo foram por conta de doenças cardiovasculares, sendo que ¾ destas mortes ocorreram em países de média e baixa renda (10). 

Conhecer mais sobre as doenças cardiovasculares, como a síndrome cardiorrenal, é importante para que seja possível gerar mais conhecimento sobre essas doenças que afetam todo o mundo e são a principal causa de mortes. As doenças renais e cardiovasculares podem ser doenças silenciosas, em que não sentimos mudança no corpo, mas elas podem estar ocorrendo até mesmo em pessoas jovens, aparentemente saudáveis. Por isso, é importante que sejam feitos exames regulares anuais para avaliar função renal e cardíaca, pois quanto antes essas doenças forem descobertas, melhores elas poderão ser tratadas.

Novas descobertas sobre o funcionamento dessas doenças são capazes de gerar conhecimentos que podem auxiliar para a criação de novos tratamentos em fases iniciais da doença, para descobrir formas de diagnóstico precoce, através de estudos de novas moléculas que estão alteradas no começo da patologia, e para garantir formas que geram maior conforto para os pacientes que já estão com a doença de forma avançada, como novas membranas dialíticas capazes de filtrar as toxinas urêmicas. 

Agradecimentos

Agradecemos à FAPESP pelo apoio financeiro (Processo FAPESP 2022/00153-0, 2022/12289-4) e à UFABC por fornecer a infraestrutura necessária para realização deste trabalho. 

Referências bibliográficas

  1. Boudoulas, K. D., Triposkiadis, F., Parissis, J., Butler, J., Boudoulas, H. (2017). The Cardio-Renal Interrelationship. Prog Cardiovasc Dis. 59, 636-648. doi: 10.1016/j.pcad.2016.12.003.
  2. Yu, L., Santos, B. F. C. , Burdmann, E. A., Suassuna, J. H. R., & Batista, P. B. P. (2007). Insuficiência Renal Aguda. Braz. J. Nephrol., 29(1 suppl. 1), https://bjnephrology.org/wp-content/uploads/2019/11/jbn_v29s1dir01.pdf
  3. Junior, J. E. R.  (2004). Doença Renal Crônica: Definição, Epidemiologia e Classificação. Braz. J. Nephrol., 26(3 suppl. 1), 1-3. https://bjnephrology.org/wp-content/uploads/2019/11/jbn_v26n3s1a02.pdf
  4. Abu Jawdeh, B. G., & Rabb, H. (2011). Delayed kidney allograft function–What does it tell us about acute kidney injury? Contributions to Nephrology, 174, 173–181
  5. Bammens, B., et al. (2004). Impairment of small intestinal protein assimilation in patients with endstage renal disease: extending the malnutrition-inflammation-atherosclerosis concept. The American journal of clinical nutrition. 80, 1536-1543.
  6. Falconi, C. A., Junho, C. V. D. C., Fogaça-Ruiz, F., Vernier, I. C. S., Da Cunha, R. S., Stinghen, A. E. M., Carneiro-Ramos, M. S. (2021). Uremic Toxins: An Alarming Danger Concerning the Cardiovascular System. Front Physiol. 14;12:686249. doi: 10.3389/fphys.2021.686249. PMID: 34054588; PMCID: PMC8160254.
  7. Machado, G. R. G. & Pinhati, F. R. (2014). Tratamento de diálise em pacientes com insuficiência renal crônica. Cadernos UniFOA. 9(26), 137-148. https://revistas.unifoa.edu.br/cadernos/article/view/193/369
  8. U.S Renal Data System. (2000). Death rates by primary cause of death, 2000 Annual Data Report, Reference Tables, Table H 18, NIH, NIDDK, Bethesda, p. 659.
  9. Rocchetti M. T. (2021). New Strategies for the Reduction of Uremic Toxins: How Much More We Know. Toxins. 13(12), 837. https://doi.org/10.3390/toxins13120837
  10. Escritório Regional Para As Américas Da Organização Mundial Da Saúde. (2023) Doenças cardiovasculares. Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/doencas-cardiovasculares#:~:text=Dados%2FEstat%C3%ADsticas%3A,as%20mortes%20em%20n%C3%ADvel%20global.. Acesso em: 25 fev. 2024.
Registrado em: Edição nº 37 - Outubro de 2024
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